
Caminhos do desenvolvimento da biotecnologia farmacêutica no Brasil
A descoberta da técnica do DNA recombinante pode ser considerada o marco fundador da biotecnologia moderna, permitindo criar células capazes de produzir novas proteínas ou proteínas já encontradas na natureza, em larga escala – saiba mais no décimo episódio do podcast Diálogos BNDES. Na área de saúde, a biotecnologia avançou em atividades como o desenvolvimento de medicamentos e vacinas, de reagentes para diagnóstico e de materiais médicos e odontológicos, assim como em novos campos como a terapia celular e a terapia gênica.
Com histórico relevante na produção de biológicos tradicionais, notadamente vacinas, o Brasil praticamente não produzia medicamentos biotecnológicos até o fim da década de 2000. O principal obstáculo para traduzir as competências científicas do país na capacidade de desenvolver produtos inovadores parecia ser a ausência de uma estrutura produtiva em biotecnologia farmacêutica.
Ainda nessa primeira década, um conjunto de empresas farmacêuticas brasileiras havia avançado na incorporação de competências em atividades de P&D relacionadas ao desenvolvimento de genéricos, com algumas experiências bem-sucedidas em inovações incrementais. Porém, a pressão competitiva no mercado de genéricos e similares, tenderia a reduzir as margens de lucro dessas empresas com o tempo e exigiria a diferenciação de produtos, via inovação e biotecnologia.
Em paralelo, a incorporação de diversos medicamentos biotecnológicos ao Sistema Único de Saúde (SUS) tornava o sistema mais vulnerável a flutuações cambiais e orçamentárias, já que esses medicamentos eram em geral importados e de alto custo. Por essa conjunção de fatores, a biotecnologia moderna passava a ser considerada estratégica para a sustentabilidade e resiliência do sistema de saúde brasileiro no longo prazo.
A estratégia de desenvolvimento do setor biofarmacêutico brasileiro
No início da década de 2010, havia duas visões estratégicas predominantes para internalizar a biotecnologia pelas farmacêuticas brasileiras:
- contratos de transferência de tecnologia – que permitiriam entrar mais rápido em um mercado que crescia em alta velocidade, mas traziam riscos associados à aquisição de tecnologias desatualizadas e ineficientes ou à transferência parcial, mantendo a empresa dependente de matéria-prima ou consultoria; e
- contratação de equipes científicas para desenvolvimento de medicamentos em parcerias com instituições de pesquisa e universidades – o que envolveria maior risco tecnológico, mas criaria oportunidades associadas ao acúmulo de competências para inovar e, dessa forma, rentabilidade maior e mais duradoura.
Nos anos que se seguiram, foram postos em marcha diversos projetos envolvendo empresas privadas e laboratórios públicos, viabilizados, ao menos parcialmente, pela ação coordenada de políticas públicas. As políticas regulatórias e de financiamento estiveram diretamente associadas às compras públicas centralizadas no Ministério da Saúde, por meio de Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDP) – compromissos de compra associados a projetos de absorção de tecnologia de produção de produtos estratégicos para o SUS. O BNDES foi responsável, ao lado da Finep, pela maior parte do financiamento de plantas produtivas envolvidas em projetos de PDPs de biofármacos.
Em um balanço da estratégia de desenvolvimento da biotecnologia farmacêutica no Brasil, dez anos depois de seu início, ficou claro que a distinção entre as duas estratégias iniciais não se mostrou tão rígida, e várias empresas passaram a atuar de forma híbrida. Além de manter programas de capacitação da mão de obra e de testes clínicos in-house, elas acessaram, por meio das transferências de tecnologia, competências em desenvolvimento de processo e produto, principalmente de modo a otimizar prazos regulatórios e garantir processos produtivos com escala adequada.
Cenário atual da indústria biofarmacêutica no país
O Brasil conta atualmente com quatro plantas produtivas de medicamentos biotecnológicos certificadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) – Cristália, Eurofarma, Libbs e Biomanguinhos/Fiocruz. Outras três plantas estão em construção, com previsão de certificação nos próximos dois anos: uma planta industrial de insulina da Biomm, uma planta industrial de anticorpos monoclonais da Bionovis e uma planta-piloto de anticorpos monoclonais do Instituto Butantan. Há, ainda, diversas plantas de etapas finais da cadeia produtiva (formulação até embalagem) de injetáveis estéreis.
Na medida em que o objetivo inicial da estratégia de inserção brasileira na rota biotecnológica era o fortalecimento de um tecido produtivo capaz de consolidar a demanda por serviços técnicos especializados, a certificação de quatro plantas de biofármacos, além da construção de outras três, é um resultado relevante.
Por outro lado, o avanço em direção a políticas mais direcionadas à inovação ainda é um desafio, especialmente na integração entre o setor produtivo e o sistema de Ciência e Tecnologia (C&T), que envolve universidades, institutos de ciência e tecnologia (ICT) e empresas de base tecnológica (EBT). A manutenção da visão sistêmica das políticas públicas e a interação contínua entre todas as organizações envolvidas são fundamentais para o avanço da capacitação produtiva voltada às necessidades do SUS.
Este texto é baseado no artigo Balanço da estratégia de desenvolvimento da biotecnologia farmacêutica no Brasil: 2009 a 2019, dos autores Beatriz Meirelles, Vitor Pimentel, Adriana Inhudes e Carla Reis, publicado no BNDES Setorial 51.
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