Tecnologias veiculares e combustíveis para o futuro da mobilidade
O Brasil possui um grande potencial para se destacar como referência mundial em economia de baixo carbono. Quando se considera toda a matriz energética brasileira, o país apresenta participação de energias renováveis bem superior à média mundial.
Como o país tem uma matriz elétrica majoritariamente limpa, as atividades relacionadas ao setor de transportes respondem pela maior parte das emissões de gases de efeito estufa oriundas da produção e da utilização de energia, sobretudo pelo consumo de gasolina e diesel.
Nesse contexto, ainda existe espaço significativo para aumentar a eficiência energética e reduzir os impactos ambientais da frota brasileira de veículos, seja pelo aumento do consumo de combustíveis com menor conteúdo de CO2, pela otimização dos motores convencionais de combustão interna ou pela introdução das diversas tecnologias de eletrificação.
O evento O Futuro da Mobilidade: Mais Eficiência Energética e Menos Impacto Ambiental, que aconteceu no dia 6 de maio, no Teatro do BNDES, no Rio de Janeiro, reuniu especialistas para discutir como o Brasil deve se posicionar em relação ao tema e indicar caminhos para a atuação do Banco.
Na entrevista a seguir, o presidente da Datagro, Dr. Plinio Nastari, que foi um dos palestrantes do encontro, aborda as principais questões ligadas ao futuro da mobilidade.
Plinio Nastari é presidente e CEO da Datagro Consultoria Ltda., uma das principais empresas de consultoria independente do mundo especializada em mercados agrícolas, atendendo clientes em 41 países, desde 1984. É mestre e PhD em Economia Agrícola pela Iowa State University, além de professor do Programa de MBA em Agronegócios estabelecido em conjunto entre a ESPM/São Paulo e a Université de Nantes (França). Já lecionou também em cursos de gradução e pós-gradução em Economia na Fundação Getúlio Vargas (FGV). É especialista e palestrante frequente nos temas de energia, biocombustíveis e energia de biomassa, tendo recebido diversos prêmios relacionados a sua atuação nesses setores.
O setor de transportes responde por uma parte relevante da demanda energética. Quais são os caminhos possíveis para aumentar a eficiência energética na área e, ao mesmo tempo, reduzir os seus impactos ambientais?
As atividades de transporte representam 34,7% do consumo total energético, e 43% das emissões de gases do efeito estufa do país relacionadas ao setor de energia. Portanto, é fundamental que sejam criados mecanismos de indução ao mercado para que os agentes econômicos sejam estimulados a aumentar a eficiência energética e reduzir as emissões de gases do efeito estufa relacionados ao setor de energia para transporte. O RenovaBio, Plano Nacional de Biocombustíveis, e o Rota2030 são iniciativas desenvolvidas nesta direção, sem criar obrigações, subsídios ou novos impostos, e sim mecanismos de indução por meio de recompensas às empresas que indiquem níveis cada vez mais elevados de eficiência energética-ambiental.
O Brasil é pioneiro na utilização de biocombustíveis e, desde a década de 1970, vem sendo protagonista em pesquisa e desenvolvimento tecnológico voltado à produção de etanol de cana-de-açúcar. Quais são os próximos avanços que podemos esperar na utilização de biocombustíveis para o transporte?
Os biocombustíveis representam uma parcela importante do consumo total de combustíveis líquidos. A participação do consumo total de etanol, anidro mais hidratado, no consumo total de combustíveis do ciclo Otto alcançou uma média de 45,6% no primeiro trimestre de 2019, ante 43,8% em 2018 e 38,2% em 2017. O biodiesel vem sendo adicionado a todo o diesel fóssil consumido no país na proporção de 10%, e deve crescer gradualmente para 15% até 2023. O biometano (biogás purificado) tem um potencial enorme, podendo chegar no futuro a 82 milhões de metros cúbicos por dia, o que equivale a 44% do consumo atual de diesel. Novas tecnologias de multiplicação de mudas e, em breve, o desenvolvimento de sementes de cana devem reduzir o custo do plantio, aumentar a produtividade e aumentar ainda mais a competitividade do etanol de cana produzido no Brasil. A complementariedade com o etanol de milho também vai contribuir para redução de custos e de preços ao consumidor. O uso do biometano tem um futuro promissor, complementando de forma positiva o uso do gás natural em aplicações industriais e de transporte, aproveitando tecnologias já desenvolvidas para o uso de gás em transporte.
A eletrificação veicular vem sendo discutida como alternativa para redução das emissões de CO2 em diferentes países. O quão viável é a adoção em larga escala de veículos elétricos no Brasil?
A eletrificação é uma tendência geral em mobilidade. No entanto, existem várias formas de se promover a eletrificação. Comumente, associa-se a ideia de eletrificação ao uso de baterias. No entanto, a bateria é apenas uma das maneiras de armazenar energia. Os combustíveis líquidos são muito mais eficientes do que as baterias como instrumentos de armazenamento de energia, têm densidade energética mais elevada e já dispõem de infraestrutura instalada. A eletrificação com combustíveis líquidos de elevada densidade energética e baixa pegada de carbono, como os biocombustíveis, é uma realidade que pode ser desenvolvida no Brasil aproveitando o potencial que temos nas áreas de etanol, biodiesel, biogás e biometano, e bioquerosene. Esta eletrificação é possível por meio dos veículos híbridos flex, capazes de utilizar etanol, e os veículos equipados com células a combustível. A otimização dos veículos equipados com motores de combustão interna também é desejável, assim como a rápida introdução de veículos pesados capazes de utilizar gás natural e biometano, para o transporte de carga e transporte urbano, o que vai contribuir de forma virtuosa para a redução da dependência por diesel importado e das emissões de poluentes de impacto local e global.
A ampliação do uso de biocombustíveis ou mesmo do gás natural veicular pode ser uma solução para a estabilização dos preços do diesel?
Sem dúvida. O uso de biometano e do gás natural veicular para o transporte de carga e de pessoas nos grandes centros pode contribuir de forma expressiva para reduzir a dependência por importação de diesel.
O modelo dos veículos flex se disseminou no Brasil. A indústria já está se adaptando à possibilidade de uso de outros biocombustíveis (biodiesel, biogás, etc.), inclusive em veículos pesados?
Sim. Há motorizações já desenvolvidas com motores bi-combustível, diesel e gás, capazes de usar GNV ou biometano, tanto para caminhões quanto para tratores e colhedoras. O potencial é muito grande e com a possibilidade de rápida adoção.
Considerações finais: como o Brasil deve se posicionar na agenda das novas tecnologias veiculares?
O Brasil deve se posicionar aproveitando o potencial que dispõe na produção de biocombustíveis, de gás natural, e alavancando a engenharia automotiva nacional desenvolvida para utilizar este potencial, transformando o país em polo exportador desta tecnologia para países com condições similares na América do Sul, América Central, Ásia (Índia e China) e África.
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