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BNDES - Agência de Notícias

Sun Nov 24 02:16:38 CET 2024 Sun Nov 24 02:16:38 CET 2024

Blog do Desenvolvimento

Project finance em projetos de infraestrutura no Brasil: desafios e potenciais soluções

 

A importância do project finance e seus diferentes modelos

No passado, parte significativa dos projetos de infraestrutura em todo o mundo era financiada e operada por governos. A partir dos anos 1980, com a maior inserção de ideias liberais na gestão pública, o setor privado passou a ter crescente papel no financiamento e gestão desses projetos. Nesse contexto, o financiamento por project finance passou a ser relevante para viabilizar a construção de novas infraestruturas e até na manutenção das já existentes.

Em um project finance, um grupo de investidores (também conhecidos como patrocinadores ou sponsors) cria uma entidade com duração limitada, chamada de Sociedade de Propósito Específico (SPE), com o objetivo de projetar, construir e gerenciar projetos de infraestrutura. Isso permite a segregação dos ativos, dos contratos e do fluxo de caixa do projeto, bem como dos riscos associados a ele.

A estrutura do financiamento se baseia primariamente no fluxo de caixa do projeto para pagamento do serviço da dívida, com os ativos e direitos do projeto sendo mantidos como garantias secundárias. Como não há necessidade de constituir garantias próprias, os investidores conseguem financiar grandes projetos sem impactar seu balanço patrimonial (operações off-balance sheet), o que explica a atratividade desse tipo de operação.

Dado que os projetos, em regra, não têm receita durante a fase de implantação, o serviço da dívida ocorre apenas a partir da fase operacional. Isso significa que as partes envolvidas, investidores e financiadores, tomam riscos significativos na fase pré-operacional (também conhecida por pre-completion) do projeto.

Há três modelos de project finance em relação às possibilidades de recurso aos controladores da SPE:

  • full recourse, que envolve uma estrutura tradicional de garantias, requerendo garantias reais, além do comprometimento pessoal dos controladores da SPE;
  • non-recourse, em que as garantias dadas ao financiador são os ativos do próprio projeto e os fluxos de caixa esperados no futuro; e
  • limited recourse, um modelo intermediário entre os anteriores, com uma estrutura mista de garantias.

Para os patrocinadores, portanto, há um atrativo relevante em buscar o modelo non-recourse, que limita a responsabilidade deles aos capitais aportados, sem direito de regresso dos financiadores a seu capital.

O project finance contrapõe-se ao corporate finance, no qual o financiamento é baseado na análise da capacidade de pagamento da empresa inteira, ou seja, na geração de fluxo de caixa de todos os ativos da companhia a ser financiada.

 

Project finance no Brasil

Após a crise fiscal enfrentada nos anos 1980, com a crescente diminuição da capacidade de investimentos públicos em infraestrutura, o Brasil passou a contar mais e mais com a participação da iniciativa privada no investimento, financiamento e operação de projetos de infraestrutura, marcando o início de um novo modelo de atuação econômica por parte da União, estados e municípios.

A partir da década de 1990, ganhou força no país a discussão sobre o uso de project finance para viabilizar projetos de infraestrutura. Em vários setores da economia brasileira, surgiram diferentes formas de parceria entre o setor público e o privado, como a contratação pelos governos de serviços prestados pela iniciativa privada, a venda direta de ativos (normalmente em leilões públicos de privatização), e a concessão de ativos públicos para operação por empresas privadas durante prazo determinado. Alguns desses projetos passaram a fazer uso de financiamento na modalidade project finance.

Apesar do entusiasmo inicial, diversos obstáculos surgiram e continuam existindo para a maior difusão do project finance em projetos de infraestrutura no Brasil, tornando essa modalidade de financiamento ainda incipiente quando comparado a outros países.

 

Desafios para a ampliação do project finance no Brasil

Com o objetivo de entender os desafios existentes e as principais práticas adotadas em outros países, o BNDES realizou uma pesquisa com diversas instituições, nacionais e internacionais, envolvidas na estruturação de financiamento de projetos. Foram entrevistadas instituições financeiras privadas, bancos de desenvolvimento, bancos multilaterais, agências de classificação de risco, construtoras, escritórios de advocacia, investidores de infraestrutura e órgãos de governo.

Assim, chegou-se a uma lista não exaustiva de desafios para a ampliação do project finance no país, apresentada a seguir:

 

Tópico

Desafios

Risco de construção

  • Contratos de construção no Brasil não são full turn-key (em que apenas um fornecedor é contratado para realizar o trabalho do início ao fim, do projeto à conclusão).
  • Projetos de construção complexa trazem incertezas aos investidores e financiadores sobre sua finalização.

Risco de sobrecusto

  • Incertezas sobre inflação no Brasil diminuem apetite de investidores pela instabilidade nos custos dos projetos.
  • Períodos longos de investimento e projetos de alta complexidade técnico-construtiva aumentam incerteza para investidores.

Risco cambial

  • Diversos investidores, principalmente estrangeiros, não estão interessados em participar de projetos denominados em moeda local, no caso o real brasileiro.
Risco de demanda
  • Diversos investidores internacionais não têm interesse em tomar risco de demanda.
  • Há falta de histórico ou imprecisões nas estimativas de demanda em alguns projetos.

 

Possíveis soluções para incentivar o project finance no Brasil

Para lidar com essas questões, diversas soluções são adotadas por outros países.

 

Linhas de crédito contingentes

As linhas contingentes funcionam como um seguro contra riscos que podem afetar a viabilidade econômica do projeto, isto é, o retorno do investimento e o pagamento do serviço da dívida. Elas são normalmente oferecidas por bancos, que, em troca do pagamento de uma taxa (fee), dispõem-se a financiar descasamentos temporários no fluxo de caixa do projeto até um determinado valor ou percentual. Essas linhas contribuem para melhoria da percepção de risco do projeto frente aos demais financiadores, o que pode também elevar a disponibilidade ou melhorar as condições de financiamento (credit enhancement). O pagamento dessas linhas, se acionadas, normalmente tem prioridade sobre as dívidas seniores (preferenciais) dos projetos. São, portanto, considerados créditos “super-sênior”.

 

Financiamento mini-perm

O financiamento mini-perm é disponibilizado por bancos para financiar a construção de um projeto até o início da operação e da geração de receitas, quando deve ser refinanciado de forma permanente, por um prazo mais longo, seja com nova dívida bancária ou emissão de títulos.

Esse tipo de financiamento pode ser estruturado como:

  • Hard mini-perm: tipo de empréstimo que, se não for refinanciado antes do vencimento, resulta em um evento de inadimplência, tendo como vantagem a possibilidade de os credores reavaliarem os empréstimos às taxas de mercado vigentes na época. No entanto, se houver contração dos mercados de crédito no período, tornando o refinanciamento difícil ou muito caro, essa estrutura cria um risco de inadimplência que pode resultar no encerramento do projeto.
  • Soft mini-perm: nesse tipo de financiamento, se não houver refinanciamento até a data de vencimento, a taxa dos empréstimos aumenta e a maior parte (senão todo) do fluxo de caixa disponível do projeto deve ser usada para pagar o montante principal dos empréstimos. Os tomadores do empréstimo e os patrocinadores do projeto costumam preferir essa estrutura ao hard mini-perm por não haver risco de acionar um evento de inadimplência.

 

Simplificação de projetos para diminuir risco de sobrecusto

O risco de sobrecusto de construção é outro ponto considerado pelos investidores e financiadores de projetos de infraestrutura, ainda mais em países com histórico de inflação elevada como o Brasil. Como regra geral, quanto maior o período de construção de um ativo de infraestrutura, maior o risco de que o seu custo final divirja significativamente do custo inicialmente orçado para determinação do lance do investidor a ser dado pelo ativo no leilão público.

Nesse sentido, a pesquisa promovida pelo BNDES indicou que há grande preocupação de agentes financiadores em evitar projetos de alta complexidade técnico-construtiva, que normalmente demandam grandes prazos de construção e adicionam incertezas relevantes de sobrecusto à tomada de decisão do financiamento do project finance – considerando que a inflação futura pode vir a ser bastante superior à estimada.

 

Soluções para risco cambial

A questão do risco cambial também é crítica quando se trata de financiamento de infraestrutura, em especial nos países em desenvolvimento. Exceto em setores que oferecem hedge natural (projetos de setores extrativos como mineração ou petróleo), projetos que tomam empréstimos em moeda estrangeira enfrentam risco relevante de descasamento cambial.

Para mitigar esse risco, alguns países promovem estruturas de parcerias público-privadas (PPPs) com pagamentos governamentais em moeda estrangeira baseados em disponibilidade, níveis de serviço ou finalização (completion) de tarefas.

O Peru instituiu, por exemplo, os RPI-CAOs (Remuneración por Inversiones según Certificado de Avance de Obra), que são certificados emitidos para o concessionário e garantidos pelo governo federal, atrelados ao atingimento de marcos na construção do projeto. O governo honra os montantes dos certificados caso o projeto não tenha recursos para cobrir os custos de financiamento do concessionário.

Como os RPI-CAOs são certificados securitizáveis e negociáveis, as concessionárias podem acessar os mercados de capitais estrangeiros por meio da emissão de bonds, cujo risco equivale ao soberano. Os primeiros projetos desenvolvidos pelo Peru com essa estrutura estavam sujeitos à legislação estrangeira, o que também aumentava a percepção de segurança por parte de investidores internacionais.

Outra possibilidade é o uso de uma linha de crédito para prover funding em moeda local para instituições internacionais, com o eventual oferecimento de garantia por suas matrizes. Dessa forma, o provedor do crédito em moeda local, normalmente um banco de desenvolvimento, não se expõe ao risco cambial ou ao risco do projeto. A Colômbia estabeleceu um mecanismo desse tipo, chamado Fondeo em Pesos, oferecido a partir de uma linha de crédito da Financiera de Desarrollo Nacional (FDN).

Por fim, alguns países adotam em determinadas PPPs o pagamento de remuneração vinculada a moeda forte pela autoridade governamental competente. Por exemplo, na quarta geração de concessão de rodovias na Colômbia, conhecida por 4G, os concorrentes do leilão estipulam em seus lances o percentual da remuneração que desejam receber em dólares norte-americanos e esse passa a ser um dos parâmetros que definem o vencedor do certame. Assim, quanto menor o percentual exigido de receitas em dólares, mais competitivo é o lance.

Embora esse tipo de mecanismo ajude bastante a atrair investidores e financiadores de países desenvolvidos, há risco de dolarização e de vulnerabilidade da economia em momentos de choques cambiais. O uso pontual de contrapartidas em moeda forte, no entanto, pode fazer sentido em projetos com menor atratividade, em que seja necessário maior foco na atração de capital estrangeiro.

 

Soluções para risco de demanda

Os agentes financiadores têm buscado algumas soluções para lidar com a questão do risco de demanda em projetos de infraestrutura.

Com a crise financeira internacional de 2008-2009, que demonstrou a volatilidade das projeções de demanda, parte dos investidores perdeu o apetite por assumir esse tipo de risco, passando a exigir contrapartidas financeiras dos poderes concedentes – como ocorre no caso de PPPs –, buscando projetos com características financeiras mais próximas a bonds.

Para atrair esse tipo de capital estrangeiro, diversos países passaram a ofertar projetos de infraestrutura na modalidade de pagamento por disponibilidade (availability payment), em que o poder concedente paga ao investidor um valor financeiro que independe do nível de utilização do ativo, desde que ele esteja disponível para uso pelo público nas condições estabelecidas no contrato de concessão.

A dificuldade de se usar tal mecanismo no Brasil reside na relativa falta de espaço fiscal para assumir o compromisso com os investidores, uma vez que os fluxos de pagamentos por parte do poder concedente são um passivo de longuíssimo prazo.

Ainda assim, o uso pontual do pagamento por disponibilidade pode ser importante para atrair investidores e financiadores para alguns ativos, em especial em projetos com maior incerteza na projeção da demanda em virtude da ausência de medições históricas.

 

A necessidade de investimento em infraestrutura no Brasil

Segundo estudo da Confederação Nacional das Indústrias (CNI), em 2021 o estoque de capital em infraestrutura do Brasil estava estimado em 34,8% do Produto Interno Bruto (PIB), sendo que o percentual que refletiria uma infraestrutura modernizada (com universalização de serviços e requisitos mínimos de qualidade) seria de 60,4%.

Para atingir esse patamar, seria necessário um esforço de investimento anual de 4% do PIB por 25 anos. Considerando o PIB a preços de mercado do Brasil em 2021, isso representaria investimentos em infraestrutura de aproximadamente R$ 355 bilhões anuais, um acréscimo de R$ 220 bilhões em relação ao investido no mesmo ano.

Esse montante de investimentos demandará a atração de novos investidores para o país e, mais do que isso, a ampliação do uso do project finance. Assim, é importante tratar adequadamente os desafios já citados, destravando o mercado de financiamento de projetos e elevando o estoque de infraestrutura nacional, de forma a gerar desenvolvimento e melhorar a qualidade de vida de todos os brasileiros.

 

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