O papel do gás natural na contenção do aquecimento global
Ainda que a demanda energética mundial siga em crescimento, tornou-se evidente, a partir do fim do século XX, a necessidade de diminuir as emissões de carbono na atmosfera. A discussão sobre fontes de energia mais limpas e renováveis surgiu como resposta a essa demanda, em busca da redução das emissões de gases de efeito estufa e contenção do aquecimento global. Fontes primárias de energia de origem fóssil, contudo, ainda hoje desempenham papel central para suprir a demanda energética mundial e, mesmo com o avanço de fontes renováveis, continuarão ocupando um lugar relevante no fornecimento de energia nas próximas décadas.
Nesse cenário, o gás natural desponta como fonte de energia estratégica na transição para uma economia de baixo carbono. Isso porque consegue equilibrar a necessidade de redução de emissões, estabilidade produtiva e custo competitivo, sem impor grandes desafios às cadeias produtivas, já adaptadas a lidar com outros hidrocarbonetos, por apresentar o menor índice de emissões em relação a esses.
Por que o gás natural é o combustível-chave para a transição rumo ao desenvolvimento sustentável?
A 21ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 21), que aconteceu em Paris, em 2015, estabeleceu metas desafiadoras para lidar com o aquecimento global. A principal delas foi manter o aumento de temperatura médio do planeta em até 2º C, e idealmente em até 1,5º C, até o fim do século. Já em 2020, durante os preparativos para a COP 26 (adiada em função da pandemia), a Organização das Nações Unidas (ONU) lançou a campanha Race to Zero, com o objetivo de mobilizar os governos e a sociedade para neutralizar integralmente o balanço das emissões de CO2 no máximo até 2050.
Considerando o ritmo de evolução das fontes renováveis e as dificuldades para alterar ou substituir a infraestrutura existente em economias industrializadas em curto espaço de tempo, é fundamental a participação da indústria de petróleo e gás natural no esforço de redução de emissões.
O petróleo é o combustível que detém a maior participação na demanda mundial de energia primária, mas apresenta um alto índice de emissão de carbono. Entre as fontes de energia disponíveis para substituí-lo, a fonte fóssil que apresenta melhores resultados de eficiência energética e emissão de CO2 é o gás natural.
Em média, o uso do gás gera 27% menos CO2 por unidade de energia gerada (BTU – British Thermal Unit) do que o petróleo e 44% menos do que o carvão. Já na comparação com derivados de petróleo, ele emite cerca de 33% menos gás carbônico do que o óleo combustível, empregado nas indústrias, 17% menos do que o gás liquefeito de petróleo (GLP), usado em residências, assim como 26% menos do que a gasolina e 27% do que o óleo diesel, consumidos por automóveis, caminhões e ônibus (EIA, 2016).
Para além das emissões de gás carbônico, o uso do gás natural contribui ainda para a drástica diminuição das emissões de outros poluentes tóxicos, como óxidos de enxofre (SOx) ou óxidos de nitrogênio (NOx), além de eliminar a emissão de particulados finos (MP2,5).
Transformações para mitigar a emissão de CO2 e de poluentes no Brasil
No Brasil, o gás natural pode contribuir para a redução de CO2, particulados e outros poluentes tóxicos em diversas atividades econômicas, como nos transportes e na indústria. Se em alguns casos ele pode substituir o uso de outros combustíveis mais poluentes, como derivados de petróleo, carvão mineral e lenha de desmatamento, em muitas aplicações o gás natural poderia, pelo menos, frear o crescimento do consumo desses combustíveis.
Para os próximos anos, a expectativa é de queda nas emissões derivadas da produção do petróleo e do próprio gás natural, uma vez que as principais petroleiras estão promovendo esforços para atingir a meta de neutralidade de emissões líquidas. Espera-se também a difusão do uso do gás natural como combustível em veículos de transporte de cargas e passageiros, bem como na geração termelétrica em substituição à geração a óleo no Brasil e a carvão em outros países.
No setor elétrico brasileiro, onde a geração hidrelétrica, embora significativa, vem perdendo participação para fontes renováveis como solar e eólica, deve-se atentar para o aumento potencial de instabilidade decorrente da sazonalidade e intermitência dessas fontes. Sendo assim, as termelétricas a gás contribuem para a estabilização do sistema elétrico.
Além disso, cerca de 9% da geração de energia no país utiliza fontes mais poluentes que o gás natural, que poderiam ser substituídas por ele. Neste contexto, estão incluídas várias usinas termelétricas contratadas no âmbito do Programa Prioritário de Termoeletricidade, frente à crise energética de 2001, que são em geral movidas a diesel e óleo combustível, apresentando baixa eficiência calorífica e altos níveis de emissão. Como esses contratos têm prazo de vinte anos e não devem ser renovados, há boas perspectivas para que sejam substituídos por plantas de geração termelétrica a gás natural.
Captura de carbono como alternativa para a redução de emissões de CO2
Outra frente para alcançar as metas de redução de carbono são as tecnologias CCUS (do inglês, carbon capture, utilization and storage), capazes de capturar o CO2 de grandes fontes emissoras como termelétricas e indústrias que utilizam combustíveis fósseis.
Essas tecnologias permitem que o gás seja capturado, comprimido e transportado por dutos ou pela malha de transportes até locais em que possa ser utilizado como matéria-prima em diversas indústrias, ou onde possa ser injetado, por exemplo, em formações geológicas profundas nas quais ficará confinado de forma definitiva. Assim, mostram-se fundamentais especialmente para as indústrias incapazes de eliminar as emissões nos seus processos produtivos, como a siderurgia e a produção de cimento, acelerando a jornada pela neutralidade nas emissões.
Até 2020, havia em funcionamento 21 instalações de CCUS ao redor do mundo, sendo uma delas a da Petrobras em operação na Bacia de Santos (SP), onde o CO2 é utilizado na recuperação avançada de petróleo. A próxima década promete grandes investimentos no desenvolvimento de tecnologias CCUS, principalmente por parte de companhias de petróleo e gás, que dispõem dos recursos financeiros e da capacidade de gerenciamento para viabilizar esses projetos, além da necessidade de utilizá-los para reduzir o impacto de suas operações.
Atuação do BNDES e agenda ASG
Muitas empresas, bancos e investidores têm buscado pautar sua atuação e seus investimentos por critérios ambientais, sociais e de governança (ASG). Como um banco público de desenvolvimento, o BNDES vem contribuindo para disseminar a inclusão de critérios ASG na avaliação de empresas e investimentos no Brasil, assim como para promover, em conjunto com outros órgãos públicos, o avanço do próprio processo de padronização desse tipo de informação.
Diante da importante contribuição que o gás natural oferece para acelerar a transição para uma economia de baixo carbono, o Banco tem apoiado o desenvolvimento desse mercado no país, desde a década de 1990, por meio de diversas ações, incluindo, recentemente, o lançamento de dois estudos detalhados com diagnóstico e propostas para o setor – em 2020 e 2021 – e do programa BNDES Gás para o Desenvolvimento, que abarca linhas de financiamento para projetos da cadeia de valor do gás natural.
Essas iniciativas procuram dar conta do enorme potencial de produção e uso do gás natural no Brasil, favorecendo a geração de renda, riqueza e empregos para o país e a transição para uma economia mais sustentável.
Esse texto é baseado no artigo Gás natural – um combustível-chave para uma economia de baixo carbono, dos autores Cássio Adriano Teixeira, André Pompeo, Ricardo da Costa, Marco Aurélio Rocio e Haroldo Prates, publicado no BNDES Setorial 53.
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