Gás natural: uma alternativa para o transporte brasileiro
Em recente entrevista, o presidente do BNDES, Joaquim Levy, destacou a possibilidade de ampliar o uso do gás natural na área de transportes, aproveitando o crescimento da produção decorrente do pré-sal. Segundo ele, a substituição do diesel pelo GNV para abastecer parte da frota de caminhões brasileira é uma alternativa viável para estabilizar os preços dos combustíveis e minimizar as emissões de gases de efeito estufa no país.
No artigo a seguir, analistas setoriais da área de petróleo e gás do BNDES apresentam um panorama do setor hoje e comentam as principais oportunidades e desafios associados ao aumento do uso do gás natural em transportes.
Uma fonte de energia mais limpa
O gás natural é uma fonte de energia que emite menos poluentes do que outras fontes fósseis e pode ser usada com objetivo industrial, comercial, residencial e veicular, bem como para geração de energia elétrica.
Comparativo de emissão de CO2 das fontes fósseis
O gás natural emite cerca de:
15% a menos, se comparado ao GLP.
25% a menos, se comparado à gasolina.
30% a menos, se comparado ao diesel.
45% a menos, se comparado ao carvão.
Uso do gás natural para o transporte
A utilização do gás natural como combustível veicular atende a automóveis, ônibus e caminhões. Em 2017, o consumo de gás veicular (GNV) no Brasil foi de 5,4 milhões de m3/dia, sendo destinado principalmente ao uso em automóveis, diferentemente do que ocorre em países como Argentina, Estados Unidos e China.
Embora proporcione uma economia para o usuário de cerca 50% em relação à gasolina e de 30% em relação ao diesel, o emprego do gás natural como combustível no Brasil ainda se dá majoritariamente por taxistas e motoristas de aplicativos. Um dos fatores que limita seu uso é a necessidade de instalar o kit gás no automóvel, já que atualmente não são fabricados veículos a gás natural no país.
Oportunidades para ampliar o uso do GNV
Uma forma de aumentar o uso do gás veicular no Brasil seria adaptar, para sua utilização, a frota de ônibus municipais, nas grandes cidades, e intermunicipais, nas regiões metropolitanas, aproveitando a boa distribuição já existente. A utilização desse combustível proporcionaria melhoria ambiental nos municípios, em virtude da redução de 20% a 30% na emissão de CO2 e de cerca de 90% nos particulados emitidos pelo diesel.
A princípio, a rede de distribuição atual não seria um obstáculo para o uso de gás natural em trajetos mais longos, desde que a origem e o destino da viagem estivessem conectados à rede de gasodutos. Com autonomia para vencer grandes distâncias, os ônibus movidos a GNV poderiam ser abastecidos no início e no fim de rotas como Rio de Janeiro-São Paulo, Campinas-Belo Horizonte, Rio de Janeiro-Macaé e Rio de Janeiro-Belo Horizonte.
A mesma regra valeria para caminhões: tanto os de pequeno e médio porte, que circulam em regiões metropolitanas, como os de grande porte, projetados para maior autonomia, poderiam ser abastecidos em cidades já contempladas com postos de GNV das rotas citadas.
Desafios a serem enfrentados
Há alguns desafios relacionados ao atual tamanho da rede de distribuição de gás veicular brasileira. É usual, por exemplo, que os proprietários de ônibus municipais os revendam para municípios do interior depois de determinado tempo de uso. Como muitas dessas localidades não contam com uma rede de gás natural, isso poderia impossibilitar o negócio e, eventualmente, gerar reflexo nas tarifas cobradas à população.
Além disso, em médio e longo prazo, deveria haver investimento para expandir a quantidade de postos de GNV ao longo das principais estradas do país, que estivessem próximas de gasoduto.
Segundo a GasNet, existem atualmente cerca de 372 municípios atendidos por gás natural no país, sendo 94 no estado de São Paulo, sessenta em Santa Catarina, 35 no Rio Grande do Sul, 32 no estado de Rio de Janeiro, trinta em Minas Gerais, 21 na Bahia, 17 no Paraná e dez no Espírito Santo. Em relação à quantidade de postos, os números também são modestos - de um total de 40 mil, apenas cerca de 1,8 mil abastecem GNV e metade deles está localizada nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo.
Em 2018, foram consumidos cerca de 153 mil m3/dia de diesel no Brasil, o que equivale a cerca de 168,5 milhões de m3/dia de gás natural. Assim, para ampliar a utilização de gás natural, é preciso investir em um aumento da capacidade de escoamento da rede de distribuição atual. A título de exemplo, a conversão de apenas 18% do diesel consumido em GNV utilizaria toda a capacidade de transporte do Gasoduto Bolívia-Brasil (Gasbol), que é de 30 milhões de m3/dia.
Por fim, há a necessidade da fabricação de veículos leves e pesados movidos a gás natural no Brasil, sem desconsiderar a alternativa de converter os motores a diesel, de ônibus e caminhões usados para o gás natural. Para este último caso, há duas possibilidades: transformar o motor a diesel para o ciclo Otto, o mesmo dos veículos a gasolina e etanol, resultando em um motor que usaria somente o gás natural, ou transformar o motor para bicombustível, podendo utilizar simultaneamente diesel (30%) e gás natural (70%). Os kits de conversão são importados e podem custar entre 10% a 25% do valor de um veículo novo.
Gás natural: incentivar a demanda e ampliar o investimento
Para o produtor e transportador, é necessário desenvolver a demanda firme pelo gás natural para ter garantido seu aproveitamento econômico. A maior parte da produção de gás natural brasileira é derivada do gás associado à produção de petróleo, ou seja, não se produz gás sem se produzir petróleo. Quando não existe demanda para o gás natural, ele é reinjetado nos reservatórios.
Há que se considerar que iniciativas para substituição de parte do consumo de diesel, gasolina e GLP, em volume apropriado, poderiam viabilizar a produção e transporte de gás natural no país, mesmo com uma aplicação menor na geração termelétrica a gás. Outra possibilidade seria o desenvolvimento do mercado secundário. Nesse caso, uma termelétrica flexível com contrato firme de gás poderia vender o gás não despachado ao sistema para terceiros. A aprovação de legislação específica para o setor, que estabeleça a criação de mercado organizado de gás natural no país, é um dos passos para transformar esse cenário em realidade.
Em resumo, para aumentar a demanda potencial do gás natural industrial, comercial, residencial e veicular no Brasil, além da ampliação da atual rede de infraestrutura, haveria a necessidade de uma expansão maior de gasodutos de transporte e ramais de distribuição, especialmente no interior do país. Essa expansão poderia ser viabilizada por meio de projetos âncoras, que consumissem grande quantidade de gás natural, em novas regiões do país ainda não atendidas por essa fonte de energia. Com isso, novos investimentos em gasodutos de transporte se tornariam viáveis e permitiriam, num segundo momento, a expansão da rede de distribuição para capturar novas demandas industriais, comercial, residencial e veicular.
André Pompeo do Amaral Mendes – economista do BNDES e gerente do Departamento de Gás, Petróleo e Navegação da Área de Energia. Formado em economia pela PUC-RJ, possui mestrado em economia e MBA em finanças pelo IBMEC-RJ. Atua no setor de Petróleo e Gás há mais de 18 anos.
Cássio Adriano Nunes Teixeira – analista de sistemas do Departamento de Gás, Petróleo e Navegação do BNDES. Mestre em Engenharia de Sistemas e Computação pela COPPE/UFRJ, com especialização em Gerenciamento de Projetos pela FGV. Atuou como gerente de projetos no BNDES por mais de dez anos e há cinco se dedica aos estudos do setor de petróleo e gás.
Marco Aurelio Ramalho Rocio - geólogo graduado pela UFRJ, lotado na gerência setorial do Departamento de Gás, Petróleo e Navegação do BNDES.
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