Crise na China: crescimento em baixa, tecnologia em alta
Em evento realizado no auditório do BNDES na última sexta-feira, dia 15, especialistas discutiram as perspectivas atuais da China e seus impactos econômicos e geopolíticos no cenário global. Realizado em parceria com o Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI) e o Conselho Empresarial Brasil China (CEBC), o encontro contou com a participação do professor de economia e fundador da consultoria Gavekal Group, Arthur Kroeber, considerado uma das vozes de referência hoje sobre China.
Kroeber iniciou sua exposição destacando que as taxas de crescimento mais reduzidas da China nos últimos anos não são uma tendência de curto prazo e que é preciso se acostumar a esse novo padrão. Segundo ele, o governo chinês se mostra atualmente menos preocupado com as taxas de crescimento do país, concentrando esforços em acelerar os investimentos em setores de alta tecnologia, especialmente com foco na transição energética.
Nesse contexto, ele avalia que, mesmo diante da retração do mercado imobiliário e de infraestrutura, o país tem conseguido manter o dinamismo de seu setor bens manufaturados, com investimento crescente em tecnologia de ponta. Kroeber rejeita a comparação da atual “crise chinesa” com o cenário vivido pelo Japão nos anos 1990, marcado por contração no setor imobiliário, alto endividamento e deflação. Na visão dele, a situação do país se assemelha mais à vivida pelos EUA após a crise financeira de 2008, em que, com medidas restritas de estímulo fiscal, o país entrou em um período de crescimento desacelerado.
Setores de alta tecnologia, em especial ligados a economia verde, devem puxar o crescimento chinês na próxima década
Ao longo da próxima década, Kroeber projeta que a economia chinesa deve crescer em média entre 3% e 4%. “O governo Xi Jinping não acredita num crescimento baseado em consumo das famílias ou no aumento da demanda. O crescimento virá dos setores de alta tecnologia, que devem gerar spillovers para o restante da economia”, aponta.
Esse cenário, na avaliação dele, indica também que a economia chinesa passa a ser ainda mais dependente de suas exportações e, para ampliar seu espaço no mercado internacional, terá que concorrer diretamente com EUA e União Europeia.
Tomando como exemplo a produção de veículo elétricos, Kroeber ressalta que a disputa do mercado mundial deve levar também ao aumento de medidas protecionistas – no caso dos EUA, por exemplo, restrições mais severas à entrada dos carros elétricos chineses foram impostas sob o argumento da segurança nacional, já que eles poderiam ser usados para coleta de dados.
Mediador do debate, o embaixador e sênior fellow do CEBRI Marcos Caramuru, questionou se, no curto prazo, a China não viveria uma crise de confiança, motivada principalmente por questões ideológicas e pela queda observada em alguns setores econômicos. Na opinião dele, isso poderia afastar potenciais investidores do país.
Kroeber confirma que este é um problema real, associado principalmente a um Estado extremamente centralizador e que mantém uma visão negativa sobre um modelo de crescimento liderado pelo setor privado. O especialista aponta ainda que o controle social rigoroso imposto pelo governo pode representar uma restrição ao dinamismo do setor de serviços e, eventualmente, à inovação na economia chinesa.
Para Larissa Wachholz, também sênior fellow do CEBRI, embora se fale em crise da China, não parece haver dúvida de que o país manterá sua relevância na economia mundial no longo prazo. Segundo Kroeber, isso é reforçado pelo direcionamento claro do governo em relação aos investimentos voltados para a transição energética, entendida como oportunidade econômica associada a uma nova virada tecnológica. “Mesmo sendo o maior emissor mundial de gases de efeito estufa, a China tem investido maciçamente em energias renováveis e em tecnologias verdes”, ressalta.
Índia cresce a taxas mais altas, mas com menor participação da indústria
Na segunda parte do evento, o economista e analista de mercados emergentes da Gavekal, Udith Sikand, traçou também um panorama da situação atual da Índia, estabelecendo paralelos com a economia chinesa. Segundo ele, ainda que o país venha apresentando taxas de crescimento expressivas nos últimos anos, não tem perspectiva de alcançar o mesmo peso da China no mercado mundial tão cedo.
Sikand aponta que a governo indiano segue uma política de substituição de importações mais tradicional no setor industrial. Assim, mesmo sendo hoje um dos maiores fabricantes mundiais de aparelhos de telefonia móvel, a Índia não deve conquistar uma participação relevante no setor de manufaturas nos próximos anos. O país ainda tem metade de sua força de trabalho vinculada ao setor agropecuário.
O governo de Narendra Modi, na visão do especialista, adota barreiras que restringem os investimentos estrangeiros no país, o que acaba por reduzir a competitividade das empresas indianas no mercado internacional. Isso ocorre inclusive em relação aos investimentos chineses, ampliando também as tensões geopolíticas entre os dois países. No longo prazo, contudo, Udith Sikand diz acreditar que o país possa mudar de posição no cenário global, como ocorreu com a China nos últimos quarenta anos. Ele lembra que a Índia tem uma população de 1,5 bilhão de pessoas e já é líder mundial em alguns setores de commodities.
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