7 questões para entender o mercado brasileiro de energia
No dia 29 de maio, é comemorado o Dia Mundial da Energia, que busca conscientizar sobre a importância de economizar energia e promover a adoção de energias renováveis. Para estimular a reflexão sobre o tema, nossos analistas setoriais respondem a um conjunto de perguntas sobre o setor no Brasil, abordando as tendências na geração elétrica, o crescimento das fontes renováveis como eólica e solar, os investimentos verdes e a ampliação da comercialização no ambiente livre. Eles explicam ainda como o BNDES vem atuando no setor e contribuindo para um futuro mais sustentável.
1. Podemos dizer que a matriz energética brasileira é em sua maior parte limpa?
A matriz energética brasileira, que engloba todas as fontes primárias e formas de consumo, é uma das mais renováveis do mundo, com 46% da oferta interna de energia proveniente de fontes renováveis, enquanto a média global é de apenas 12%, segundo dados do Balanço Energético Nacional. Estes números mostram que o Brasil possui uma matriz energética quase quatro vezes mais renovável que a média global.
O setor elétrico contribui de forma relevante para esse resultado, uma vez que a matriz elétrica brasileira possui participação ainda maior de energias renováveis. O Brasil teve 82% da energia elétrica gerada por fontes renováveis, como hidrelétrica, eólica, de biomassa e solar, em 2019. Em comparação, apenas 25% da geração elétrica mundial foi produzida a partir de fontes renováveis no ano de 2018.
Vale dizer que o BNDES financiou cerca de 70% da expansão do parque gerador brasileiro nos últimos vinte anos, com especial foco nas fontes renováveis de geração – hidrelétricas, energia eólica e, mais recentemente, energia solar. Além disso, tem oferecido melhores condições financeiras para projetos que incorporem novas tecnologias, ajudando a fomentar a inovação e a expansão das energias renováveis no país.
No caso da energia eólica, por exemplo, o Banco esteve presente no desenvolvimento da fonte desde o princípio, quando apoiou o poder concedente na estruturação dos contratos e do conjunto de garantias para o programa de incentivo que deu origem aos primeiros projetos, além de prover o financiamento aos empreendimentos. A carteira de projetos eólicos do Banco representa cerca de 85% da capacidade instalada dessa fonte atualmente.
Levantamento produzido pela Bloomberg NEF mostrou ainda que o BNDES foi o maior financiador de energia renovável do mundo entre os anos de 2004 e 2019.
2. O crescimento da geração eólica e solar ainda é limitado pelo caráter intermitente dessas fontes?
Para lidar com a variabilidade das fontes renováveis, o desenvolvimento das tecnologias de armazenamento será importante no futuro. Atualmente e ainda durante algum tempo, os reservatórios das hidrelétricas cumprirão a função de acomodar a variabilidade das fontes eólica e solar, provendo a flexibilidade necessária ao sistema, embora sua gestão esteja cada vez mais complexa em função das mudanças hidrológicas e dos múltiplos usos da água, e sua expansão limitada por fatores socioambientais.
Outras tecnologias de armazenamento, tais como usinas hidrelétricas reversíveis, baterias de grande escala e os múltiplos usos do hidrogênio como fonte de armazenamento de energia encontram-se em níveis distintos de maturidade tecnológica e ainda necessitam de aprimoramentos regulatórios para se inserirem de maneira importante em nossa matriz elétrica.
Mas a variabilidade das fontes solar e eólica não é um limitador para o crescimento e, em sintonia com a agenda ASG (ambiental, social e de governança), elas devem continuar ganhando relevância na expansão do parque gerador brasileiro, especialmente nos contratos de fornecimento de energia firmados no mercado livre.
3. Qual é a relação entre finanças verdes e expansão das energias renováveis?
Tomando o exemplo do BNDES, a carteira de projetos de geração baseada em fontes renováveis tem viabilizado realizar diversas ações de captação de recursos destinados à economia verde. Além de possibilitar o acesso a fundos de agências multilaterais e bancos de desenvolvimento internacionais, o apoio a esses projetos tem permitido estimular o desenvolvimento do mercado de títulos verdes no Brasil.
Em 2020, o BNDES fez a primeira emissão de títulos verdes no mercado brasileiro, captando R$ 1 bilhão com lastro em projetos de geração eólica e solar. A emissão local seguiu as mesmas regras dos títulos verdes internacionais, sendo atestadas por uma empresa certificadora.
Já em 2021, o Banco anunciou seu Sustainability Bonds Framework (SBF), que facilita a emissão de títulos verdes, sociais e sustentáveis no Brasil e no exterior. O documento, elaborado em parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), cobre o tema de energias renováveis, favorecendo a disponibilidade de fundos para energia eólica, solar, hídrica e de biomassa, além de biocombustíveis e hidrogênio verde.
O desenvolvimento das finanças verdes e de práticas ASG pelas empresas, portanto, contribui diretamente para a ampliação das energias renováveis no país.
4. Segundo dados da Abraceel, hoje 86% do consumo industrial de energia está no ambiente livre. Como funciona o mercado de energia livre?
Atualmente, consumidores com carga igual ou superior a 1,5 MW podem comprar diretamente de quaisquer geradores ou comercializadores, dentro do Ambiente de Contratação Livre (ACL). Adicionalmente, para incentivar as fontes alternativas de energia elétrica, permite-se que consumidores com carga igual ou superior a 0,5 MW contratem energia eólica, solar, de biomassa ou proveniente de pequenas centrais hidrelétricas.
O limite de acesso ao ACL vem sendo reduzido gradualmente conforme cronograma determinado pelo Ministério de Minas e Energia (MME) e a partir de 1º de janeiro de 2023, os consumidores com carga igual ou superior a 0,5 MW, atendidos em qualquer tensão, poderão migrar do ambiente regulado para o ambiente livre, ou seja, da compra com as distribuidoras para contratos diretos com as geradoras/comercializadoras de energia elétrica no ACL.
O consumo no ACL já corresponde a um volume de energia superior a 30% do total da energia comercializada no país. Desde 2016, verifica-se um movimento de migração dos consumidores para o ACL, crescendo a uma taxa média de 39% ao ano nos últimos cinco anos.
5. Quais são as vantagens para as empresas e grandes consumidores de utilizar esse mercado?
As vantagens de adquirir energia no mercado livre são a possibilidade de melhores preços em relação às tarifas cobradas pelas distribuidoras, a flexibilidade de poder negociar com diferentes fornecedores e a possibilidade de escolher as fontes de geração para o seu suprimento, permitindo que consumidores comprometidos com a sustentabilidade possam adquirir energia a partir de fontes renováveis e cumprir suas metas de redução de emissões.
O BNDES tem convicção da importância do mercado livre para a continuidade da expansão das fontes renováveis, pois esse é o ambiente onde os consumidores comprometidos com metas ASG, geradores de energia renovável competitivos e investidores em busca de ativos sustentáveis podem se encontrar, catalisando um ciclo virtuoso de desenvolvimento de energias limpas no Brasil.
6. O que é o chamado preço suporte e como ele contribui para a financiabilidade dos projetos e para ampliar a participação de consumidores no mercado livre?
Um dos principais aspectos analisados na avaliação dos empreendimentos de geração de energia é o fluxo de receita gerado pelos projetos, já que eles são estruturados no formato de project finance, no qual o próprio projeto fornece as garantias para o crédito na forma de ativos e recebíveis.
O crescimento do número de empreendimentos voltados ao ACL trouxe o desafio de financiar projetos com contratos de venda bilaterais e mais curtos que o prazo de financiamento, diferentemente do que acontece no Ambiente de Comercialização Regulado (ACR), em que os contratos têm prazos superiores a vinte anos e possuem como contraparte um conjunto de distribuidoras, mitigando o risco de crédito.
Percebendo esse desafio, o BNDES deu o primeiro passo para resolver a financiabilidade nesse novo ambiente, dispondo-se a correr o risco de preço, com o objetivo de induzir o mercado de capitais e demais financiadores a entender melhor e assumir os riscos associados a essa mudança de cenário.
Em 2018, o Banco anunciou que começaria a financiar usinas greenfield sem necessariamente exigir contratos de longo prazo que coincidissem com o período do crédito. Essa abordagem surgiu da percepção de que os geradores sempre podem vender a energia por um determinado preço e de que seria possível estimar preços de referência para avaliação dos projetos. Para isso, o banco desenvolveu a metodologia de cálculo do chamado preço suporte.
Essa metodologia proporciona ao BNDES uma ferramenta que garante flexibilidade para estruturar financiamentos considerando uma variedade de possíveis configurações dos projetos em relação aos seus contratos de venda de energia. Como resultado dessa abordagem, os financiamentos do Banco a projetos eólicos e solares destinados ao mercado livre representaram 58% da capacidade instalada nos últimos três anos.
7. Quais são as perspectivas para o setor de energia brasileiro e para a atuação do BNDES?
A Empresa de Pesquisa Energética (EPE), órgão responsável pelos estudos de planejamento da expansão do setor elétrico, projeta uma participação das fontes solar e eólica cada vez maior na matriz elétrica brasileira nos próximos anos. Os estudos do Plano Decenal de Expansão de Energia 2030 (PDE 2030) mostram queda da participação relativa das hidrelétricas, embora elas continuem com papel relevante para garantir o atendimento aos requisitos do Sistema Interligado Nacional (SIN), e significativo aumento das fontes solar e eólica, assim como da geração distribuída, mantendo o elevado nível de renovabilidade da matriz.
O mercado livre deve se consolidar como o principal ambiente para a expansão do parque gerador, baseado em fontes renováveis competitivas, e os empreendedores poderão contar com o apoio do Banco na continuidade desse processo.
O BNDES prevê continuar viabilizando investimentos em novas tecnologias limpas que estão na fronteira do conhecimento, como projetos híbridos renováveis, de armazenamento de energia, de energia eólica offshore e de hidrogênio verde, além de buscar estimular investimentos em eficiência energética, geração distribuída e aproveitamento energético de resíduos.
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