Saúde na Amazônia Legal
Ao longo das últimas décadas no Brasil, a ampliação do acesso à atenção básica e a ampla distribuição de medicamentos, bem como a estruturação de ações de promoção à saúde e prevenção de doenças, contribuíram para a melhoria significativa da expectativa de vida, a diminuição da carga de enfermidades na população e a convergência dos indicadores entre as regiões do país (SOUZA et al., 2018).
Na Amazônia Legal, também ocorreram avanços significativos. Houve queda expressiva do índice de mortalidade infantil, e a esperança de vida ao nascer também indicou melhoria nas condições de vida e saúde na Amazônia. Entretanto, os estados da região ainda registram índices inferiores à média nacional.
Perfil das causas de óbito na Amazônia e no Brasil
Em relação às causas de óbito, a Amazônia apresenta, atualmente, perfil similar ao brasileiro, com maior evidência da carga tripla que o caracteriza: doenças crônicas; doenças infecciosas e parasitárias; e causas externas. Ao contrário do senso comum, na região Amazônica predominam doenças crônico-degenerativas, relacionadas ao envelhecimento da população e a hábitos de vida e alimentação de sociedades urbanas contemporâneas, em consonância com o perfil médio brasileiro e de outras partes do mundo.
Como mostra a tabela a seguir, a participação das causas externas nos óbitos da região era significativamente superior à do Brasil em 2010 e 2019 – o que pode ser explicado por conflitos no campo e nas florestas, pela violência característica de grandes metrópoles e suas periferias, assim como pela alta incidência de acidentes de transporte. Destaca-se também a mortalidade por doenças infecciosas e parasitárias, própria de países menos desenvolvidos, ainda superior na Amazônia em relação à média nacional.
A análise dos dados de internações de crianças menores de cinco anos devido a doenças infecciosas intestinais demonstra a prevalência dessas morbidades na região, apesar da evolução favorável. Os principais fatores que contribuem para isso são: a dimensão da área alagada na região, que é habitat natural de vetores de arboviroses (CONFALONIERI, 2005); e a precariedade do saneamento básico, que tem índices muito inferiores à média brasileira.
Outra questão relevante é a saúde indígena, cujo modelo de atenção possui institucionalidade própria. Estudo relata (Rocha et al., 2021) que as principais causas de mortalidade entre os indígenas são as doenças transmitidas por bactérias, vírus, parasitas e outros patógenos, mantendo o padrão observado ao longo do tempo, na contramão dos avanços percebidos na Amazônia como um todo.
Causas de óbitos na Amazônia e no Brasil (em % do total de óbitos)
Causas |
2000 |
2010 |
2019 |
|||
Amazônia |
Brasil |
Amazônia |
Brasil |
Amazônia |
Brasil |
|
Infecciosas e parasitárias |
6% |
5% |
5% |
4% |
5% |
4% |
Neoplasias |
9% |
13% |
12% |
16% |
14% |
17% |
Aparelho circulatório |
19% |
27% |
25% |
29% |
25% |
27% |
Aparelho respiratório |
6% |
8% |
8% |
10% |
10% |
12% |
Causas externas |
14% |
13% |
18% |
13% |
15% |
11% |
Demais causas |
20% |
18% |
22% |
21% |
24% |
23% |
Causas mal definidas |
26% |
16% |
10% |
7% |
8% |
6% |
Fonte: Elaboração própria com dados do Ministério da Saúde (DATASUS)
Desafios para ampliar a infraestrutura de saúde na Amazônia
Apesar dos avanços consideráveis nas condições de saúde na Amazônia Legal nas últimas décadas, é possível notar que persistem obstáculos para a garantia do pleno direito à saúde, os quais apresentam similaridades e particularidades em relação aos desafios nacionais para o sistema público de saúde e relação intrínseca com o modelo de desenvolvimento até então adotado no território.
O sistema público de saúde, na figura do SUS, é ainda mais relevante para a população da Amazônia Legal do que no restante do país. Segundo dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), enquanto 25% da população brasileira contava com plano de saúde privado ao fim de 2021, a cobertura dos planos privados na Amazônia era de 10%, alcançando apenas 5% da população residente fora das capitais. Assim, na região a presença do SUS possui um impacto ainda maior, sendo a única opção de acesso à saúde da grande maioria da população.
O modelo do SUS tem como pilar a atenção primária à saúde, geralmente implementada pela Estratégia Saúde da Família (ESF). Nela, equipes multidisciplinares, integradas por agentes comunitários da saúde, enfermeiro, auxiliar de enfermagem e um médico de família, realizam acompanhamento regular que possibilita a detecção precoce de fatores de risco e morbidades, a prevenção e a promoção da saúde.
A despeito dos bons números da ESF na Amazônia, Rocha e outros (2021) destacam que a infraestrutura de atenção primária na região pode ser considerada mais precária. A dimensão do território e a baixa densidade populacional da região impõem desafios significativos para que a cobertura possa se efetivar em acesso a serviços. Assim, enquanto a região tem, em média, 1,3 equipe de atenção básica por 1.000 km², no restante do país, essa razão é próxima de 10,6 equipes.
Do ponto de vista da infraestrutura física, há também disparidades relevantes entre os estados da região. Considerando que o Brasil possui 235 leitos hospitalares para cada cem mil habitantes, Rondônia e Mato Grosso destacam-se positivamente dentro da região com 267 e 244 leitos, respectivamente. Por outro lado, a disponibilidade de leitos no Amapá (152) e no Amazonas (162) é significativamente inferior à média nacional.
Já no que diz respeito à disponibilidade de recursos humanos, a desigualdade assume outra escala. Como o Brasil possui 215 médicos para cada 100 mil habitantes, todos os estados da Amazônia Legal encontram-se abaixo da média nacional nesse quesito – como mostra a figura a seguir.
Número de médicos por 100 mil habitantes nos estados da Amazônia Legal
Fonte: Elaboração própria com dados do Ministério da Saúde (DATASUS).
A escassez de profissionais de saúde, principalmente com formação em medicina, e a dificuldade de fixar esses profissionais em regiões de menor densidade populacional, é um tema amplamente debatido na literatura acadêmica e nas políticas públicas. Houve, nas últimas décadas, um esforço, principalmente dos municípios, de atrair profissionais por meio de maiores remunerações, o que não tem apresentado resultados satisfatórios. Para além da remuneração e da flexibilidade do trabalho, a infraestrutura disponível é apontada em pesquisas de opinião como elemento mais relevante para a atração e fixação de profissionais. É possível que haja, portanto, uma correlação entre a disponibilidade de recursos físicos e a de profissionais (STRALEN et al., 2017).
Em síntese, do ponto de vista da disponibilidade de recursos humanos e físicos na região da Amazônia Legal, o quadro é diverso. Há forte presença da atenção primária à saúde, embora a infraestrutura em muitos casos requeira melhorias. Existem também carências na disponibilidade de leitos hospitalares e equipamentos, especialmente severas em alguns estados, além de falta generalizada de profissionais de saúde.
Nesse contexto, vale ressaltar a importância que novas tecnologias, como a telessaúde, podem assumir com a evolução das ferramentas de conectividade, gerando oportunidades para amenizar a escassez de profissionais especializados. Ao mesmo tempo, soluções que contemplem as longas distâncias da região, como unidades de saúde fluviais e itinerantes, parecem ser um caminho importante a ser estimulado.
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