O BNDES e o investimento
Edição n. 1/2023
Recentemente, voltou ao debate público o argumento de que o crédito do BNDES não afeta o investimento da economia brasileira. Esse argumento não se sustenta.
Entre 2002 e 2022, a correlação entre o desembolso do BNDES (como % do produto interno bruto – PIB) e a taxa de investimento no Brasil é de 76%.
Como nem todo desembolso do BNDES se destina a investimento, dado que o Banco também financia exportações, projetos socioambientais, entes subnacionais, entre outras atividades e segmentos meritórios, é possível refinar a correlação apresentada. Considerando apenas o desembolso do BNDES destinado ao investimento (como % do PIB), a correlação dessa variável com a taxa de investimento no Brasil é ainda maior, de 79% no mesmo período.
Outras correlações mais específicas também apontam forte associação do crédito do BNDES com a formação bruta de capital fixo (FBCF). A correlação entre os desembolsos do BNDES Finame (linha de crédito voltada para aquisição de máquinas e equipamentos) e a taxa de investimento em máquinas e equipamentos é de 88%; a correlação entre os desembolsos do BNDES para infraestrutura e a taxa de investimento em construção não residencial é de 88%; e a correlação entre os desembolsos do BNDES para investimento e a taxa de investimento não residencial é de 89% – conforme a Tabela 1.
Tabela 1: Correlação entre desembolso do BNDES (% do PIB) e diversas medidas de investimento
Fonte: Elaboração própria com base em dados do BNDES, IBGE e Ipea. Nota: as correlações contemplam o período de 2002 a 2020, em função da disponibilidade das aberturas de dados da FBCF calculadas pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Para mais detalhes dessas aberturas, ver Souza Júnior e Cornelio (2020). As séries estão em: www.ipeadata.gov.br.
Todas as variáveis consideradas acima são variáveis de fluxo, que é a forma correta de debater a relação do BNDES com o investimento (também uma variável de fluxo). A utilização de dados de fluxo conjuntamente com dados de estoque é pouco informativa e deve ser evitada.
Isto posto, é preciso lembrar que correlações não implicam causalidade. Em macroeconomia, em particular, é muito difícil identificar causalidade. O que muitas vezes é feito para avançar no debate, para além de simples correlações, é identificar correlação com precedência temporal – a chamada causalidade de Granger.
Testes de causalidade de Granger entre o crescimento dos desembolsos do BNDES e da FBCF no Brasil, com dados mensais, sugerem que a precedência temporal é dos desembolsos do Banco, que mudam antes do investimento (Tabela 2).
Tabela 2: Teste de causalidade de Granger (p-valores): BNDES e FBCF (1996-2023)
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Fonte: Elaboração própria a partir de dados do BNDES e do Ipea. Nota: Foi utilizada a série mensal de formação bruta de capital fixo do Ipea.
Outra forma simples de avançar na compreensão da interação entre variáveis macroeconômicas é por meio de funções de resposta a impulso (FRI) obtidas a partir de modelos de vetores autorregressivos (VAR). A Figura 1 apresenta a resposta acumulada da formação bruta de capital fixo a um impulso nos desembolsos do BNDES, a partir de um modelo VAR padrão.[1]
Figura 1: Resposta acumulada da FBCF a um choque nos desembolsos do BNDES
Fonte: Elaboração própria com base em dados do BNDES, Ipea, Banco Central do Brasil e IBGE.
A Figura 1 indica que o desembolso do BNDES afeta positivamente o investimento e ilustra como o argumento contrário – frequentemente mencionado – repousa sobre bases empíricas frágeis.[2]
Para debater a relação entre o BNDES e o investimento de forma mais rigorosa, cabe recorrer a análises contrafactuais mais cuidadosas, comparando o que ocorre com o investimento quando há uma intervenção do Banco, frente ao que teria ocorrido na ausência dessa intervenção. Somente assim é possível aferir o “investimento adicionado” pelo apoio do BNDES. Ainda que essa não seja uma tarefa simples, já que há várias técnicas para a construção do contrafactual, políticas públicas requerem esse tipo de procedimento para sua avaliação. A boa notícia é que diversos estudos já se dedicaram a esta tarefa.
No total, existem quase vinte artigos acadêmicos na literatura sobre os efeitos do BNDES no investimento, tal como registrado em uma ampla resenha recente sobre o tema (BARBOZA et al., 2020). A grande maioria dos artigos indica efeitos positivos e estatisticamente significativos do Banco no investimento. Alguns dos poucos trabalhos que não encontram impacto do BNDES no investimento utilizam bases de dados que não são representativas da atuação geral do Banco – por exemplo, focando apenas no apoio a empresas de capital aberto, que representam uma parcela pequena dos desembolsos.
Embora a literatura seja majoritariamente formada por estudos microeconométricos, feitos com dados no nível da firma, não sendo imediata a transposição desses resultados para a economia como um todo, é importante lembrar que o único artigo até hoje publicado em revista acadêmica (BARBOZA; VASCONCELOS, 2019), tratando dos efeitos do BNDES no investimento agregado, indica efeitos positivos e estatisticamente significativos dos desembolsos do Banco.
Em suma, é desprovido de embasamento empírico o argumento de que o BNDES não afeta o investimento da economia brasileira. À luz da análise aqui apresentada, é precisamente o contrário que parece verdadeiro: as evidências disponíveis apontam para impactos positivos do BNDES sobre o investimento do país.
[1] Do ponto de vista quantitativo, a estimativa pontual oriunda desse modelo VAR padrão indica que um aumento de 1 unidade nos desembolsos do BNDES elevaria a FBCF em cerca de 1,2 unidade. Obviamente, o nível de incerteza associado a essa análise simples, que se reflete nos intervalos de confiança reportados, não permite uma inferência com esse grau de precisão.
[2] O modelo VAR foi estimado com dados mensais de abr. 2003 a fev. 2023, contendo as seguintes variáveis endógenas: as taxas de crescimento (interanual) do desembolso do BNDES, da formação bruta de capital fixo, da taxa de câmbio e do índice de preços ao consumidor amplo (IPCA); e a variação (interanual) de uma métrica da taxa de juro real ex-ante. O choque aplicado corresponde a 1 desvio padrão da série de desembolso do BNDES. O VAR estimado utilizou quatro defasagens, conforme indicado pelo critério de informação de Akaike (AIC). Ademais, utilizou-se identificação recursiva para obtenção das FRIs. Os intervalos de confiança têm um nível de significância de 5%.
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Referências:
BARBOZA, R.; VASCONCELOS, G. Measuring the aggregate effects of the Brazilian Development Bank on investment. The North American Journal of Economics and Finance, v. 47, p. 223-236, 2019. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S1062940818302663. Acesso em: 21 jun. 2023.
BARBOZA, R.; PESSOA, S.; RIBEIRO, E.; ROITMAN, F.. O que aprendemos sobre o BNDES? Rio de Janeiro: Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, 2020. 65 p. Textos para discussão 149. Disponível em: https://web.bndes.gov.br/bib/jspui/handle/1408/19800. Acesso em: 21 jun. 2023.
SOUZA JUNIOR, J. R.; CORNELIO, F.. Estoque de capital fixo no Brasil: séries desagregadas anuais, trimestrais e mensais. Texto para Discussão 2580, 2020. Disponível em: https://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/10236. Acesso em: 21 jun. 2023.
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