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Blog do Desenvolvimento

Decompondo os juros nominais líquidos para debater a estabilidade fiscal

Edição n. 29/2024

Para debater a política fiscal brasileira, não basta avaliar somente o resultado primário e o endividamento público em relação ao produto interno bruto. O impacto da taxa de câmbio e da acumulação de ativos de renda fixa pelo setor público sobre a estabilidade fiscal do país também são variáveis importantes.

Nesse contexto, é preciso analisar a tendência de longo prazo do montante de juros nominais líquidos pagos pelo governo brasileiro a cada período. O Estudo especial 29 analisa esse histórico a partir da decomposição do pagamento dos juros do setor público.

 

Decomposição do pagamento dos juros nominais líquidos no Brasil

Para analisar a trajetória de longo prazo do pagamento de juros nominais líquidos no Brasil, vale a pena decompor esses valores em cinco componentes.

  1. Resultado dos swaps cambiais do BCB: decorre dos ganhos ou perdas de capital da autoridade monetária em operações com derivativos cambiais e, portanto, não tem relação direta com a execução do orçamento fiscal do governo.

  2. Custo de carregamento da carteira dos ativos de renda fixa do setor público: representa a diferença entre a taxa de remuneração dos ativos financeiros do governo (reservas internacionais, empréstimos ao BNDES e outras aplicações) e o custo de oportunidade de financiamento do Tesouro.

  3. Correção monetária: representa a inflação multiplicada pelo valor da dívida líquida do setor público exclusive base monetária (parcela da dívida que não paga juros).

  4. Juros reais: representam a taxa de juro real sobre o valor da dívida líquida menos a base monetária, ou seja, a dívida líquida que efetivamente paga juros.

  5. Efeitos de segunda ordem: representam a influência conjunta (cruzada) do juro real e da inflação sobre a dívida líquida não monetária, sendo geralmente insignificantes do ponto de vista econômico, mas necessários para completar a conta matemática.

 

Juros nominais em proporção ao PIB desde 2022 – o impacto dos swaps cambiais

Quatro movimentos chamam atenção ao analisarmos o montante de juros nominais líquidos pagos pelo governo brasileiro em proporção do PIB desde 2002:

  1. a tendência de queda entre 2003 e 2012;

  2. o pico de 2015, quando o setor público pagou R$ 501,8 bilhões em juros nominais líquidos, o equivalente a 8,4% do PIB, atingindo o valor mais alto da série histórica (junto com o ano de 2003);

  3. a trajetória de queda entre 2015 e 2020, em que o pagamento de juros foi reduzido de maneira contínua, saindo de 8,4% do PIB em 2015, para atingir 4,1% do PIB em 2020; e

  4. o movimento ocorrido entre 2020 e 2024, quando o pagamento líquido de juros voltou a mostrar trajetória ascendente, atingindo R$ 718,3 bilhões ao final de 2023 (6,6% do PIB), e R$ 835,7 bilhões (7,5% do PIB) nos dados acumulados em 12 meses até junho de 2024.

 

Juros líquidos pagos pelo setor público no Brasil: resultados dos swaps cambiais vs ex-swaps cambiais (% PIB)

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Fonte: Elaboração própria com base em dados do BCB (2024).

 

Tendo em vista que o resultado dos swaps cambiais decorre de variações da taxa nominal de câmbio e da estratégia do BCB de intervenção no mercado cambial, vale a pena segregá-lo na análise da decomposição do montante de juros líquidos nominais pagos.

Em 2015, quase um quinto dos juros líquidos totais pagos pelo setor público decorreu das perdas do BCB com swaps cambiais, que atingiram 1,5% do PIB naquele ano – o maior valor registrado de juros líquidos pagos em função de perdas do BCB com swaps cambiais desde o início do período de análise, o que reflete a decisão do governo brasileiro à época em oferecer proteção (hedge) cambial ao setor privado durante o período de maior volatilidade financeira em 2014.

Em 2016, com a apreciação do Real, a situação se inverteu e o governo recuperou boa parte de suas perdas prévias com swaps cambiais.

Nos últimos anos, o governo brasileiro vinha incorrendo em ganhos nas operações com swaps cambiais, que contribuíram negativamente para o pagamento de juros nominais líquidos (-0,9% do PIB em 2022, -0,7% do PIB em 2023), mas esse resultado se inverteu recentemente devido ao comportamento da taxa de câmbio. Em junho de 2024, as perdas somavam 0,4% do PIB no acumulado em 12 meses.

 

Juros líquidos pagos pelo setor público no Brasil – excluídos os swaps cambiais

Já os componentes de taxa de juros real e correção monetária apresentam dinâmica oposta com alguma defasagem temporal. Em momentos de aceleração inflacionária, o componente de juro real tende inicialmente a se reduzir para, posteriormente, em função da reação de política monetária, ganhar relevância.

 

Juros líquidos pagos pelo setor público no Brasil excluindo o resultado dos swaps cambiais (% PIB)

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Fonte: Elaboração própria com base em dados do BCB (2024).

 

Um exemplo é o período de 2021 a 2024, quando a parcela da correção monetária se reduziu de 4,7% para 2,3% do PIB, e a do juro real saiu de -2,5% para 3,7% do PIB nos 12 meses findos em junho de 2024. Tal dinâmica refletiu a aceleração inflacionária no âmbito da pandemia, com a desestruturação das cadeias globais de valor, e a reação na condução da política monetária, tendo a Selic nominal partido de seu piso histórico de 2,0% a.a entre agosto de 2020 e fevereiro de 2021 e sido elevada de forma gradual até 13,75% em agosto de 2022.

 

O custo do carregamento da carteira dos ativos de renda fixa no pagamento dos juros nominais líquidos

O componente do custo de carregamento de carteira dos ativos de renda fixa do governo segue uma trajetória ascendente nos juros nominais líquidos pagos pela União. A partir de 2006, ele saltou de 0,9% do PIB até atingir o pico de 3,3% em 2015.

Dois fatores explicam essa dinâmica.

Um primeiro é a política de acúmulo de reservas cambiais com o objetivo de dotar a economia brasileira de um “seguro” contra crises internacionais. Embora haja um custo associado ao carregamento do ativo reservas internacionais, há um benefício intangível de mitigar crises financeiras externas e seus impactos na economia doméstica. O biênio 2015-2016 mostra um custo de carregamento dos ativos de renda fixa do governo superior a 3% do PIB. Naquele momento, a política monetária doméstica restritiva elevou de maneira importante o diferencial de juros entre a taxa Selic e a taxa de juros de referência dos EUA em um momento em que volume de reservas internacionais já era bastante elevado.

O segundo fator foi a política de empréstimos da União ao BNDES, ocorrida entre 2008 e 2014. Como forma de combater os efeitos da crise financeira internacional de 2008 no Brasil e de manter o fluxo de financiamento ao investimento privado, o governo realizou empréstimos ao BNDES que, entre 2008 e 2014, perfizeram o montante de R$ 441 bilhões de reais. O custo de carregamento associado a essa política de empréstimos ao BNDES se dava, basicamente, pela multiplicação desse montante pelo diferencial entre a remuneração da taxa de juros de longo prazo (TJLP) e o custo de oportunidade do governo na emissão do passivo correspondente. Embora esse diferencial estivesse em redução, o montante dos empréstimos também era elevado.

Desde então, o componente de custo de carteira perdeu importância dentro do pagamento de juros líquidos. Alguns fatores explicam esse movimento:

  • A redução do diferencial entre a TJLP e a Selic entre 2015 e 2017.
  • As devoluções antecipadas à União dos empréstimos do BNDES (com montantes nominais expressivos sendo devolvidos entre 2016 e 2022).
  • A mudança do custo institucional de funding do BNDES (que passou a ser determinado pelas condições de mercado) a partir de 2018.
  • O ciclo de afrouxamento monetário brasileiro, que se iniciou em 2016 e atingiu seu auge no contexto da pandemia (quando a Selic atingiu o piso de 2,0% a.a.), reduzindo de maneira importante o diferencial entre a Selic e as taxas de juros internacionais.

 

Política monetária e fiscal: alinhamento virtuoso

Do ponto de vista de política econômica, verifica-se que as mudanças da composição dos juros líquidos pagos desde 2002 indicam que a administração do “orçamento financeiro” pode ser um instrumento importante de ajuste ou desajuste fiscal.

Entre 2006 e 2015, o acúmulo de reservas internacionais e a política de empréstimos do Tesouro Nacional ao BNDES contribuíram para elevar o resultado primário requerido para a estabilização da dívida líquida do setor público. De maneira oposta, no período de 2016 a 2020, a queda da Selic e o ajuste financeiro entre União e BNDES foram importantes fontes de reequilíbrio fiscal, reduzindo o resultado primário requerido para estabilizar a dívida líquida. Já no período mais recente, o componente de juro real tem sido determinante para a trajetória ascendente dos juros líquidos pagos ao governo.

Com as diferentes variáveis que afetam o pagamento total de juros sendo tão importantes quanto os resultados primários na determinação da evolução da dívida pública, o alinhamento virtuoso entre as políticas monetária e a fiscal mostra-se o caminho mais promissor para garantir a sustentabilidade da dívida pública no médio e longo prazo.

 

>>Acesse o estudo completo

 

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