Bancos de desenvolvimento versus política monetária
Bancos de desenvolvimento (BD) têm como objetivos típicos corrigir falhas de mercado e induzir novas capacidades produtivas. Assim, contribuem para melhorar a eficiência alocativa da economia e promover o catching up tecnológico, especialmente de países em desenvolvimento.
Segundo matéria recente da revista The Economist, depois da crise financeira de 2007-2008, diversos países voltaram a apostar em bancos nacionais de desenvolvimento como uma ferramenta de política anticíclica. Gallagher e Studart (2016), em estudo que trata da importância dessas instituições, dão conta da existência de mais de 250 delas ao redor do mundo, com ativos que representam cerca de US$ 4,9 trilhões.
Na medida em que aumenta a importância dessas instituições nas diferentes economias, surgem preocupações sobre os seus possíveis efeitos colaterais. Um efeito indesejado, que ganhou grande destaque no debate brasileiro, é o possível impacto dos bancos de desenvolvimento sobre a potência da política monetária.
Potência da política monetária diz respeito à capacidade do Banco Central (BC) de controlar a atividade econômica e a inflação por meio da taxa Selic. Segundo a visão que se tornou dominante no debate público, o fato de o Banco ter balizado durante muito tempo seus empréstimos pela Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), uma taxa de juros inferior e insensível à Selic, teria tornado uma parte do mercado de crédito imune à política monetária.
Apesar de intuitiva, essa visão nunca alcançou um consenso teórico e/ou empírico claro. Os poucos estudos que, de algum modo, tentaram investigar essa relação apresentaram resultados conflitantes entre si.[1]
[1] Vide estudos, como Vivacqua (2007), Daniel (2015), Bonomo e Martins (2016) e Castro (2018).
Analisando o impacto da atuação do BNDES
Com o intuito de contribuir de forma mais rigorosa para esse debate, os economistas do BNDES Mauricio Furtado e Ricardo de Menezes Barboza trabalharam em parceria com economistas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) no desenvolvimento de um modelo macroeconômico para verificar se e, em quais condições, a atuação do banco poderia afetar a potência da política monetária. [2]
[2] Trata-se de um modelo de equilíbrio geral dinâmico e estocástico (DSGE, na sigla em inglês). Este modelo será publicado em breve como Texto para Discussão do BNDES.
Metodologia
O modelo elaborado parte de alguns fatos estilizados sobre o BNDES:
- A concessão de crédito para investimento é principal forma de atuação do Banco.
- As principais fontes de funding da instituição são o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e o Tesouro Nacional.
- A TJLP representa(va) uma taxa de juros institucionalmente determinada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).
Adicionalmente, a análise considera que o BNDES é capaz de afetar o comportamento da economia na medida em que influencia o custo do empréstimo das empresas que realizam investimentos, o que pode ocorrer por meio de mudanças na TJLP, ou de mudanças na participação do banco nos financiamentos.
Partindo dessa estrutura conceitual, os autores avaliaram o eventual impacto do BNDES sobre a potência da política monetária. Primeiro, foram comparados os efeitos de um aumento da taxa Selic (política monetária contracionista) sobre a inflação e o Produto Interno Bruto (PIB) em três diferentes cenários: (i) sem a presença do BNDES na economia, (ii) com o banco financiando em torno de 14% do investimento (“referência”), e (iii) com ele sendo responsável por cerca de 80% do investimento (“grande”).
Como se nota nos gráficos, quando o Banco Central aumenta a taxa de juros, há uma redução do PIB e da inflação para aproximadamente 1,5% abaixo de seus respectivos valores de equilíbrio. Como as curvas “sem BNDES”, “referência” e “grande” são muito parecidas, fica claro que o tamanho do BNDES não tem influencia relevante sobre a potência da política monetária.
Em um segundo exercício, os autores analisaram os efeitos de um aumento da taxa Selic em um contexto no qual o BNDES atua de forma anticíclica, reduzindo (ou aumentando) a TJLP em conjunto a um(a) aporte (retirada) de recursos por parte do Tesouro quando a atividade econômica está fraca (aquecida).
Para este exercício, o cenário “sem BNDES” foi comparado a três conjunturas alternativas de política anticíclica, de acordo com a intensidade da reação por parte do Banco. Na situação “moderada”, a participação do BNDES nos investimentos sobe de 14% para 22%, e a redução de TJLP chega a 1,7 p.p. No cenário de atuação “forte”, a participação nos investimentos vai de 14% a 28%, e a TJLP é reduzida em 3,2 p.p. Por fim, a situação “extrema” considera que os financiamentos do BNDES são muito maiores, variando de 80% para 90% do total, com uma redução da TJLP de 2,0 p.p.
Novamente, os gráficos revelam que, nos cenários “moderado” e “forte”, o impacto do BNDES sobre a potência da política monetária é muito pequeno, ou seja, bem parecido com o cenário “sem BNDES”. Isso quer dizer que, nos dois casos mais próximos do que efetivamente ocorreu entre 2009 e 2015, a atuação anticíclica do Banco altera muito pouco o comportamento do PIB e da inflação, frente a um aumento da Selic.
Mesmo levando a atuação do BNDES a um patamar pouco realista, caso do cenário “extremo”, o que se nota é um impacto bastante limitado sobre a potência da política monetária. Enquanto no cenário “sem o BNDES” a redução no PIB e na inflação atinge 1,6% e 1,8% (no ápice), respectivamente, no “extremo” esses valores são de 1,1% e 1,4%. Isso quer dizer que uma atuação anticíclica do BNDES é capaz de reduzir a potência da política monetária, mas em magnitude desprezível.
Um remédio “menos amargo” para conter a inflação
Se por um lado a atuação anticíclica do BNDES reduz a potência da política monetária de forma marginal, por outro, a atuação do BNDES também reduz a taxa de sacrifício associada a uma política monetária contracionista, ainda que de forma marginal. Como a atuação anticíclica diminui mais o impacto da política monetária sobre o PIB do que sobre a inflação, a consequência é que a queda de produto necessária para induzir a redução da inflação em uma unidade passa a ser menor. Esse resultado está em linha com o encontrado por Castro (2018) a partir de um modelo diferente.
Referências
BONOMO, M. & MARTINS, B. The Impact of Government-Driven Loans in the Monetary Transmission Mechanism: what can we learn from firm-level data?. Banco Central do Brasil, Texto para discussão nº 419, 2016.
CASTRO, P. Earmarked credit, investment and monetary policy power. Ensaio apresentado como parte de tese de doutorado da PUC-Rio, 2018.
DANIEL, H. L. As políticas de crédito direcionado do BNDES: calcanhar de Aquiles da política monetária do Banco Central do Brasil? Insper Instituto de Ensino e Pesquisa, 2015.
VIVACQUA, M. V. R. Política Monetária e Investimento no Brasil. Dissertação apresentada pelo Programa de Pós-Graduação em Economia da PUC-Rio, 2007.
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