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Blog do Desenvolvimento

Por: Luciana Costa

20:00 19/06/2023

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A petroleira do século 20 e a empresa de energia do século 21

 

Causou comoção no debate público o Ibama ter negado no fim de maio a licença para a Petrobras pesquisar a existência de petróleo na chamada “margem equatorial”, faixa de 2.200 km que se estende do Rio Grande do Norte ao Amapá, a cerca de 500 km da foz do rio Amazonas.

 

É certo que há questões técnicas que precisarão ser bem detalhadas pela empresa, em especial quanto à estrutura de resposta a contingências, que deverão ser reforçadas para que a pesquisa e uma possível futura exploração sejam seguras.

 

Para além disso, outras questões precisam ser respondidas: faz sentido o Brasil em 2023 pesquisar a exploração futura de petróleo numa região tão sensível ambientalmente e decisiva para a inserção política e econômica do país no mundo? Não está na hora de se acelerar a transição energética da Petrobras e promover na Amazônia atividades produtivas que alavanquem o valor sua biodiversidade?

 

De fato, serão crescentes as restrições aos combustíveis fósseis. A demanda por petróleo deverá cair nos próximos anos, o que provavelmente fará seu preço declinar em alguma medida, inviabilizando campos de exploração com custos mais elevados. É fato também que a preservação da floresta amazônica é crucial para o mundo enfrentar as mudanças climáticas.

 

Contudo, é preciso notar que a riqueza gerada pela Petrobras é fundamental para o país enfrentar os desafios da transição climática justa e promover uma reindustrialização verde, tecnológica e geradora de bons empregos.

 

A existência de recursos renováveis abundantes confere ao Brasil vantagens comparativas. Mas políticas industriais recentes nos EUA (“Inflation Reduction Act”) e na União Européia (“EU Green Deal”) mostram que o Brasil precisa agir, pondo em prática suas próprias políticas, se quiser transformar suas vantagens naturais em vantagens produtivas e tecnológicas.

 

A Petrobras é um caso de sucesso da industrialização brasileira no século 20. Para convertê-la numa empresa de energia do século 21 não se pode prescindir das receitas de seu negócio presente. São elas que viabilizarão o desenvolvimento de cadeias produtivas ligadas à descarbonização e às novas tecnologias, como o hidrogênio verde, os biocombustíveis e as energias renováveis

 

Usar as receitas do petróleo para sustentar uma política industrial é ainda mais relevante nos países menos desenvolvidos, em que as carências sociais são severas, o que torna a absorção de novas tecnologias – inicialmente caras – mais difícil.

 

A questão é se a exploração da margem equatorial é rentável em um mundo em que o petróleo perderá relevância.  A recente crise energética na Europa deixou claro que o mundo não pode, por ora, prescindir dos hidrocarbonetos. Além disso, para ter uma ideia do potencial da “margem equatorial”, vale olhar para a exploração que vem ocorrendo na costa da vizinha Guiana.

 

A descoberta das reservas de petróleo e gás na Guiana, em 2015 – estimadas em 11 a 25 bilhões barris de óleo equivalente (boe) – são as maiores do mundo desde então e representam riqueza entre US$ 850 bilhões e US$ 2 trilhões. Em 2022, a extração atingiu 360 mil barris/dia e a expectativa é de que a Guiana se torne o segundo maior produtor de petróleo nas Américas do Sul e Central, com 1,7 milhão boe/dia em 2035, atrás apenas do Brasil, segundo a Rystad Energy. O preço de equilíbrio por barril da produção na Guiana é US$ 28 a US$ 30, altamente competitivo mundialmente. O petróleo do pré-sal brasileiro tem preço de equilíbrio entre US$ 30 e US$ 35.

 

As reservas no lado brasileiro devem ser grandes e seu custo resiliente a reduções da demanda. Estimativas preliminares de reservas apontam entre 10 e 30 bilhões boe (de 1 a 3 vezes as reservas provadas da Petrobras), representando receitas de US$ 770 bilhões a US$ 2,3 trilhões. A exploração de petróleo na margem equatorial deve ser capaz a partir de 2030 – quando se estima que os campos dos pré-sal comecem a ter sua produção declinante – de elevar a produção brasileira, gerando receitas sob baixo risco de inviabilização dos investimentos.

 

O óleo da margem equatorial tem ainda a vantagem de ser leve e de intensidade de emissões até 30% abaixo da média global. Numa década de transição, ele é favorável enquanto a consolidação de novas tecnologias limpas ainda conviver com o uso de combustíveis fósseis.

 

A Petrobras deve mostrar as soluções técnicas exigidas pelos órgãos ambientais responsáveis pelo licenciamento ambiental. E o governo também precisa ter um plano que mitigue os impactos sociais associados às grandes obras de implantação da exploração na região.

 

Estamos frente ao que pode vir a ser a grande vitrine do Brasil para o mundo, em termos de responsabilidade socioambiental, e minimizar os riscos de litigância climática é imprescindível. A independência dos órgãos ambientais, a excelência técnica da Petrobras, com mais de 1.000 poços perfurados em águas ultraprofundas e a intensa participação da sociedade civil são elementos necessários e um exemplo da maturidade econômica e política do país.

 

Por fim, para que a exploração da margem equatorial seja justificável, a Petrobras precisa apresentar um planejamento de curto, médio e longo prazos para sua transição climática. É importante saber como a empresa vai usar as receitas do óleo para transformar a “petroleira do século 20” na “empresa de energia do século 21”. E como esse futuro vai se articular com o desenvolvimento de cadeias produtivas em que o Brasil aproveite suas vantagens naturais (vento, luz, solo, floresta etc.) para promover uma indústria globalmente competitiva.

 

O BNDES pode colaborar. Um grupo de trabalho entre a Petrobras e o banco está sendo criado. Entre os temas a serem enfrentados estão (i) a criação de fundos com destinação para desenvolver e financiar fornecedores e clientes; e (ii) o planejamento de ambos para a transição ecológica.

 

A exploração de petróleo na margem equatorial pode deixar de ser um problema para quem se preocupa com o futuro do meio ambiente e passar a ser uma ponte para uma transição energética justa.

 

Sobre a autora

lucianacosta2-gLuciana Aparecida da Costa é graduada em economia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e mestre em Finanças pela Fundação Getúlio Vargas (SP) e pela University of Chicago (EUA). É Diretora de Infraestrutura, Transição Energética e Mudança Climática do BNDES. 

 

Os conteúdos apresentados em entrevistas e artigos assinados não refletem, necessariamente, a visão do BNDES. 

 

 

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