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BNDES - Agência de Notícias

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Blog do Desenvolvimento

Por: Lavinia Barros de Castro

08:00 20/06/2023

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Um breve olhar sobre a história do BNDES

 

Em 20 de junho de 2023, o BNDES completa 71 anos de existência. Fazendo as contas, um leitor desavisado poderia supor que a criação do BNDE em 1952 (o “S” só viria trinta anos depois) estaria associada às políticas nacionalistas. Essas políticas seriam características do segundo Governo Vargas (1951-1954), que também levaram à criação da Petrobras em 1953, ponto máximo da campanha “o petróleo é nosso”. Essa, porém, é uma visão simplificada da nossa história. Longe de ser fruto de discussões em grupos homogêneos de pensadores exclusivamente brasileiros, o Banco tem sua origem atrelada a esforços de cooperação internacional, seja com o governo dos EUA, seja com pensadores latino-americanos então reunidos na Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal).

 

As raízes da defesa de um Banco nacional para o financiamento do desenvolvimento do Brasil estão, paradoxalmente, em uma recomendação feita por americanos. Trata-se da chamada Missão Cooke,[1] cujo relatório final, em 1949, assim explicita: “No Brasil, o principal obstáculo para o crescimento de empresas em larga escala tem sido a dificuldade em obter capital para fins industriais” (p.339). A influência das ideias estrangeiras continuou nos anos que se seguiram, levando à Missão Abbink, agora liderada por um americano, John Abbink, e um notável brasileiro, Otávio Gouveia de Bulhões.[2]

 

Ali se enfatizava a necessidade de direcionar recursos para setores de elevada produtividade e se admitia o baixo desenvolvimento do mercado de crédito e de capitais como entrave ao desenvolvimento do país. Porém, a missão Abbink não recomendava a criação de uma instituição de financiamento nacional porque, na visão dos autores do relatório final, era necessário, antes, a formação de um mercado de títulos e de um banco central.[3] Curiosamente, a história provaria que o caminho seria o inverso: o BNDE foi criado antes do Banco Central (1964) e do desenvolvimento do mercado de capitais no país. Ao contrário, o desenvolvimento desse mercado foi uma missão adicionada ao Banco a partir dos anos 1970.[4] Frustrando expectativas do empresariado e do governo brasileiro, porém, a Missão Abbink não resultou em nenhuma operação de empréstimo, decepcionando aqueles que esperavam um “Plano Marshall para a América Latina”.

 

Foi o recrudescimento da Guerra Fria, após a Revolução Chinesa (1949) e a Guerra da Coréia (1950), que trouxe o sentido de urgência e levou ao estabelecimento de uma comissão que elencasse projetos concretos de investimentos. Como fruto da Missão Abbink, criou-se enfim a Comissão Mista Brasil Estados Unidos (CMBEU), em 1951. Novamente, porém, os recursos que, supostamente, viriam do Exim Bank americano e do Banco Mundial para superar os “gargalos na infraestrutura econômica do país” (principalmente em energia, portos e transportes) foram muito menores do que de início se imaginara.[5] Embora decepcionante em termos de recursos, a CMBEU definiu um conjunto amplo de projetos (41 projetos) que resultaram nos primeiros empréstimos concedidos pelo Banco.

 

O olhar externo dos americanos, porém, não foi o único a influenciar o BNDES, como dito. Ainda em 1953 foi criado um grupo de trabalho entre técnicos do BNDES e técnicos latino-americanos da Cepal que ficou conhecido como Grupo Misto BNDE-Cepal. O grupo era presidido por ninguém menos que Celso Furtado, considerado um dos mais destacados intelectuais do país ao longo do século XX.  O resultado final dos trabalhos foi explicitado no relatório “Esboço de um Programa de Desenvolvimento para a Economia Brasileira – 1955-1962” – que serviria de principal referência para o Plano de Metas do governo Juscelino Kubitschek. No período JK, o BNDES presidiu o Conselho de Desenvolvimento e participou ativamente dos Grupos de Trabalho e dos Grupos Executivos. Em termos de desembolsos, sua atuação esteve mais focada em projetos de infraestrutura.

 

Após os “anos dourados” de Juscelino, no conturbado período político de 1960-1964, o Banco deu uma guinada do “banco da infraestrutura” para o “banco da indústria”. Novamente, sua atuação foi para além dos financiamentos. O Banco participou intensamente de estudos que iriam permitir mais adiante um salto nos setores de química, papel e celulose, siderurgia, fertilizantes e cimento.[6] Além disso, funcionários do BNDE trabalharam arduamente para criação da Eletrobras, que ocorreu em 1962. Com o fim dos recursos do Fundo de Reaparelhamento, o Banco teve de se reinventar e passou a administrar fundos, entre eles o Fundo de Financiamento para Máquinas e Equipamentos (Finame) e o Fundo de Desenvolvimento Tecnológico e Científico (Funtec). Para gerir esses recursos, foi criada em 1966 a Finame, subsidiária que até hoje é peça fundamental para o financiamento de máquinas e equipamentos no país. Por meio do Funtec, em parceria com o CNPq, o BNDE ajudou a desenvolver diversos programas de pós-graduação no país, inclusive a Coppe-UFRJ. Aliás, a Finep, antes de ser empresa pública (foi criada em 1967), era um Fundo de Financiamento de Estudos e Projetos e Programas, administrado pelo BNDE. Esse fundo contava com recursos do BID e do USAID. [7] O diálogo do BNDE com outros bancos de desenvolvimento e com outras instâncias de governo sempre esteve presente na nossa história.

 

A partir de 1974, o BNDE passou a contar com os recursos do PIS-Pasep e isso permitiu um salto nos volumes de empréstimos. Em linha com as diretrizes do II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), o BNDE participou com recursos e com ideias dos grandes empreendimentos realizados em bens de capital e insumos básicos. Já nos anos 1980, coube ao Banco ajudar a recuperar empresas arrasadas pela crise econômica em que o país estava submerso. Em 1982, a adição de uma simples letra “S” revelava um amadurecimento institucional, mas também uma exigência da sociedade de incluir preocupações sociais no cerne da estratégia do Banco. A partir da experiência dos anos 1980 com a recuperação de empresas estatais e acompanhando a mudança no modelo de desenvolvimento do Brasil, coube ao BNDES assumir a liderança na agenda das privatizações. Foi também nos anos 1990 que teve início o programa de apoio às exportações. Nos anos 2000, vieram diversos programas de investimento (Programas de Aceleração de Crescimento – PAC) e, posteriormente, atuação fundamental para o financiamento de projetos de energia renovável e para Amazônia. Na pandemia, as garantias fornecidas pelo FGI-Peac foram um importante instrumento para as micro, pequenas e médias empresas (MPME). Nossa experiência de contribuições para políticas públicas é, portanto, longa, passando desde momentos em que desempenhamos papel mais ativo (Plano de Metas, II PND e privatizações), como também momentos em que nossas contribuições foram mais marginais, porém relevantes para o país.

 

Onde estamos querendo chegar com a revisão dessa história? Em primeiro lugar, observar que o “nacionalismo” que se poderia supor que marcou o início do BNDES nunca excluiu o capital estrangeiro nem ideias estrangeiras, pelo contrário.[8] Em segundo lugar, que o Banco sempre fez parte dos grandes planos de desenvolvimento vividos pelo país. Em terceiro, que pelo BNDES passaram, ao longo da história, renomados economistas e intelectuais das mais diversas escolas de pensamento econômico, que ajudaram a criar uma tradição que perdura até hoje, de um banco que contribui para articulação de ideias e para a construção de políticas públicas, em diversos campos.

 

Para constatar a pluralidade de ideias presente no BNDES, basta um simples olhar para o rol de presidentes que o Banco já teve. São autores de diversas obras que discutem a economia brasileira: Lucas Lopes, Roberto Campos, Eduardo Modiano, Antonio Barros de Castro, Pérsio Arida, Edmar Bacha, Luiz Carlos Mendonça de Barros, André Lara Resende, Carlos Lessa, Luciano Coutinho, Paulo Rabello de Castro, entre outros. Um grupo que inclui dos mais renomados economistas ortodoxos aos mais heterodoxos. É por isso que podemos dizer que, também no campo das ideias: ontem, hoje e sempre, pensou desenvolvimento, pensou BNDES.

 

[1]  A missão foi coordenada por Morris Llewellyn Cooke e seu relatório final dirigido ao então presidente dos Estados Unidos, Harry Truman.

[2] Otávio Gouveia de Bulhões foi um renomado economista, associado a correntes monetaristas de pensamento econômico. Foi o representante do Brasil na Delegação do Brasil à Conferência Monetária de Bretton Woods, além de ocupar interinamente o cargo de Ministro da Fazenda na gestão do Ministro Eugênio Gudin.

[3] Ver RIBEIRO, T (2012). Disponível em: https://app.uff.br/riuff;/handle/1/16101. Acesso em: 19 jun. 2023. 

[4] De fato, em 1974, o Banco estabeleceu três subsidiárias para atuar no mercado de capitais que depois se fundiram, em 1982, na BNDESPAR.

[5] Eram esperados inicialmente US$ 500 milhões de aporte de recursos. A solução encontrada foi contar com recursos nacionais, em volumes muito menores do que o esperado, e para isso foi criado um Fundo de Reaparelhamento Econômico, em 1953, a partir de um adicional cobrado sobre o Imposto de Renda. Ver VIANNA, B. e VILLELA, A. em GIAMBIAGI, F., VILLELA, A., BARROS DE CASTRO, L., HERMANN, J. (2007). Economia Brasileira Contemporânea (1945-2004).

[6] Nos anos 1960, vale notar, quem liderava o departamento econômico do BNDES era o professor Ignácio Rangel, renomado economista, que promovia debates sobre economia e desenvolvimento regional entre os funcionários.

[7] Essas e outras histórias estão em BNDES: Um banco de história e do futuro. Disponível em: https://web.bndes.gov.br/bib/jspui/handle/1408/1785. Acesso em: 17 de jun. 2023.

[8] Para uma discussão do nacionalismo em Vargas ver FONSECA, P. (1997). Disponível em: https://professor.ufrgs.br/pedrofonseca/publications/nacionalismo-e-economia-o-segundo-governo-vargas-0. Acesso em: 19 jun. 2023. 

 

 

LAVINIASobre a autora

Lavinia Barros de Castro é economista e assessora da Presidência do BNDES, além de professora de economia do Ibmec. 

 

Os conteúdos apresentados em entrevistas e artigos assinados não refletem, necessariamente, a visão do BNDES. 

 

 

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