Produtividade em questão: reflexões para a economia brasileira
A chave para o desenvolvimento econômico no longo prazo reside em ganhos de produtividade, ou seja, na eficiência com que o sistema econômico consegue gerar bens e serviços por meio de uma dada dotação de recursos.
Há diferentes medidas para avaliar como uma determinada economia se comporta nesse aspecto. A produtividade do trabalho, mais comumente empregada em razão principalmente da disponibilidade de dados, é calculada com base na razão entre o valor da produção e o número de trabalhadores (ou horas trabalhadas). Já a produtividade total de fatores (PTF), considerada uma medida mais precisa de eficiência econômica, é obtida a partir da razão entre o valor da produção e um conjunto de fatores produtivos empregados nessa produção.
Apesar da importância do tema, o Brasil não tem registrado um bom desempenho em sua produtividade ao longo das últimas décadas. Após uma queda da PTF no início dos anos 1980, seguida de relativa estagnação até a metade dos anos 1990, há um período de moderado crescimento e, em seguida, nova queda depois de 2014. Assim, entre 1980 e 2016, a PTF brasileira alcança um módico crescimento de 0,15% a.a., deixando o país ainda distante das nações que estão na fronteira tecnológica.
Que fatores afetam a produtividade de um país?
Uma explicação possível para as diferenças de produtividade entre países seria a própria estrutura produtiva, já que algumas economias estão mais concentradas em “serviços tradicionais”, menos produtivos, enquanto outras são especializadas em serviços mais dinâmicos, como a indústria de transformação.
A análise da literatura sobre o tema, porém, parece indicar que não se trata apenas disso. Veloso e outros (2017) mostram que, se a mão de obra brasileira fosse distribuída setorialmente da mesma forma que a mão de obra norte-americana, a produtividade do trabalho aumentaria 68% no Brasil. Por outro lado, considerando o diferencial de produtividade do trabalho dentro de cada setor, é possível observar que a produtividade nos EUA é 14 vezes a do Brasil na agropecuária; 5,7 vezes no setor industrial; e 5,2 vezes no setor de serviços. Desse modo, é preciso indagar que outros fatores impactam negativamente esse indicador.
P&D e gestão organizacional são fatores relevantes
O padrão de desenvolvimento econômico atual aumentou a importância de um fator de produção denominado “capital intangível”, ou seja, de recursos utilizados no processo produtivo que não têm natureza física. São exemplos desse tipo de recurso softwares e bases de dados; patentes, direitos autorais, design e logomarca; além de marca, capital humano específico, redes de pessoas e instituições, e nível de excelência em governança.
De fato, a literatura aponta para uma clara tendência de crescimento da importância dos investimentos em intangíveis, os quais devem ultrapassar o investimento em capital físico em todas as economias, tanto nos setores industriais como de serviços.
Haskel e Westlake (2017) argumentam que uma economia baseada em intangíveis se depara com maiores desafios, mas também com mais possibilidades de ganhos de produtividade. Isso ocorre pela existência de spillovers que aumentam a eficácia do investimento quando este é feito; de fatores que podem ser replicados com custo marginal nulo, permitindo que a produção seja realizada com retornos crescentes; e pela possibilidade de combinar estrategicamente certos intangíveis, gerando ganhos econômicos relevantes.
Um intangível importante para o crescimento da produtividade é a atividade de pesquisa e desenvolvimento (P&D), que gera ideias capazes de expandir a fronteira produtiva. Uma economia moderna seria aquela em que há uma geração sistemática de novas ideias, usualmente incorporadas em novas tecnologias e processos organizacionais, garantindo ganhos de produtividade contínuos ao longo do tempo.
Outro componente que tem se destacado são as inovações organizacionais, em especial no que se refere a métodos de gestão. Com base na análise de dados de mais de trinta países e de 11 mil firmas, Bloom, Sadun e Van Reenen (2017) argumentam que a gestão pode ser vista como uma tecnologia capaz de expandir a fronteira produtiva. Eles observam ainda que a qualidade média da gestão entre os países acompanha, grosso modo, o nível de desenvolvimento deles, sendo uma explicação possível para o diferencial de produtividade e renda.
A tabela a seguir, que apresenta o índice de qualidade da gestão de diferentes países, mostra que o Brasil está abaixo da média no indicador geral e nos seus componentes – monitoramento, metas e incentivos –, ainda que em patamar similar ao de outros países em desenvolvimento.
Comércio exterior como canal de difusão tecnológica
Visto que tanto novas tecnologias quanto métodos de gestão e organização são importantes para aumentar a produtividade das empresas, é preciso refletir sobre as condições que favorecem a geração e difusão desses fatores na economia. A disseminação de novas técnicas e processos é fundamental para garantir que a inovação gerada por um pequeno conjunto de firmas-líderes tenha um impacto sobre a produtividade agregada da economia, sendo particularmente importante para países em desenvolvimento, que crescem tentando incorporar elementos da fronteira de conhecimento.
Griffith, Redding e Reenen (2004) destacam que o processo de P&D desempenharia uma dupla função: de gerar inovação, mas também de facilitar a imitação de novas descobertas. Isso porque as firmas precisariam de um certo nível de P&D próprio para poder entender e assimilar novas tecnologias. Com base em um painel de indústrias em 12 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), os autores mostram que maior investimento em P&D permite maior catch up de países mais atrasados em direção àqueles com maior produtividade.
O comércio exterior é outro canal para a difusão de tecnologias e ideias entre países, segundo Keller (2004). Isso ocorre tanto pela importação de bens e serviços (particularmente, bens de capital e insumos intermediários), que pode ser uma forma de obter tecnologia incorporada nesses bens e de gerar inovações domésticas, quanto pelos efeitos de aprendizado e seleção decorrentes da atividade de exportação. Assim, os benefícios do livre-comércio vão além do argumento usual de vantagens comparativas e ganhos de especialização, incorporando, também, vantagens dinâmicas de exposição a ideias mais produtivas.
Outros fatores: infraestrutura e competição
Outro elemento importante para explicar o desempenho das firmas é a infraestrutura disponível no país, que, em última instância, determina as possibilidades de organização de produção das empresas. Essa infraestrutura deve ser entendida de forma ampla, tanto no que diz respeito à estruturas físicas como estradas e hidrelétricas, como as regras e instituições que são cada vez mais importantes para uma boa performance econômica em uma era onde os intangíveis ganham cada vez mais importância.
O grau de competição prevalecente na economia também tem um papel relevante para afetar os ganhos de produtividade. Isso se dá pelo efeito da competição sobre o incentivo a inovar das firmas, e também pelo chamado canal de seleção, onde o aumento da competição permite que as firmas com melhor gestão e/ou com tecnologias mais avançadas possam aumentar sua participação de mercado; no limite, forçando a saída das firmas menos eficientes. Destaque-se nesse sentido que a abertura comercial tem o papel de funcionar como importante estímulo à competição e consequentemente gerar mais inovações e uma melhor alocação de recursos na economia.
Entraves à produtividade brasileira
A capacidade de absorver e difundir novas tecnologias se revela um dos grandes entraves para a alavancagem da produtividade no Brasil. Em primeiro lugar, a economia brasileira tem um grau de abertura muito baixo perante economias comparáveis, limitando a possibilidade de obter novas técnicas e insumos de melhor qualidade do exterior. De modo mais geral, as evidências sugerem que o ambiente regulatório brasileiro é pouco propício para induzir uma economia competitiva e dinâmica. Em segundo lugar, a maior parte das firmas brasileiras carece do potencial de realizar investimentos complementares para permitir a implementação de novas técnicas e processos, como a disponibilidade de capital humano qualificado. Uma consequência particularmente adversa dessa combinação é uma economia pouco dinâmica, na qual as firmas mais produtivas têm dificuldade em se expandir e as menos produtivas conseguem persistir no mercado.
Espaço para atuação de bancos públicos
Diversos elementos que obstruem o crescimento da produtividade podem ser mitigados pela ação de políticas públicas, em particular pela atuação de um banco de desenvolvimento. Interessante notar, no entanto, que uma intervenção efetiva não tende a se limitar à simples concessão de crédito, mas exige um desenho apropriado de mecanismo, combinando instrumentos de débito e equity. Por exemplo, parte do problema de difusão tecnológica, definido como a velocidade com que as firmas se aproximam da fronteira em uma economia, tem a ver com investimentos tanto em adoção de tecnologia quanto com investimentos em ativos intangíveis pelas firmas. Essa difusão pode não ocorrer por falhas de funcionamento no mercado de crédito, causados por assimetrias informacionais e ausência de garantias por parte de firmas com alto potencial de crescimento. Nesses casos, contudo, não é tão claro que o mecanismo de crédito é a melhor estratégia, em especial quando apoiando itens intangíveis, que não podem ser colateralizados. Assim, instrumentos de apoio na forma de capital permitem ao banco capturar parte do retorno em caso de sucesso do projeto. Uma estrutura flexível de apoio com diferentes combinações de capital e dívida, por projeto, pode ser uma maneira de superar problemas de assimetria informacional em projetos de inovação, e gerar incrementos na produtividade total de fatores.
Este artigo é baseado no Texto para Discussão 135, Determinantes da produtividade: uma resenha da literatura com algumas reflexões para a economia brasileira, dos autores Antonio Marcos Ambrózio, Sérgio Guimarães Ferreira e Filipe Lage.
Referências
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