
Principais acordos sobre biodiversidade, bioeconomia e soluções baseadas na natureza
Um breve histórico do debate sobre biodiversidade no Brasil e no mundo
A Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) foi assinada por 150 países durante a Segunda Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (Rio 92). A Rio 92 teve como objetivo debater a conservação e a proteção dos ecossistemas terrestres em harmonia com a promoção do desenvolvimento sustentável. Nesse sentido, a convenção foi elaborada a partir da percepção da relevância dos recursos biológicos – e da biodiversidade – para o desenvolvimento social e econômico, além da constatação de que as ameaças à diversidade biológica nunca haviam sido tão significativas.
Antes da primeira Conferência das Partes (COP da Biodiversidade), em 1994, a convenção já contava com 168 assinaturas. Atualmente são 196 países signatários.
A proposta da convenção parte do princípio de que a biodiversidade vai além das plantas, animais, microrganismos e seus ecossistemas: é sobre pessoas e nossa necessidade de segurança alimentar, medicamentos, água e ar frescos e um ambiente limpo e saudável em que possamos viver.
Os objetivos da convenção são a conservação da diversidade biológica, a utilização sustentável de seus componentes e o compartilhamento justo e equitativo dos benefícios derivados da utilização dos recursos genéticos, mediante, inclusive, o acesso adequado a esses recursos, a transferência adequada de tecnologias pertinentes (levando em conta todos os direitos sobre tais recursos e tecnologias) e o financiamento apropriado.
Na 10a Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (10ª COP da Biodiversidade), realizada em Nagoya, no Japão, em 2010, foi adotado e revisado um novo plano estratégico de biodiversidade com metas para o período de 2011 a 2020, as chamadas Metas de Aichi – em função da prefeitura de Aichi, onde a conferência aconteceu. Naquele momento, foi dado o prazo de dois anos para que as partes revisassem suas estratégias e planos de ação a partir das metas.
As metas brasileiras de biodiversidade 2011-2020 foram definidas em 2013, durante a chamada Década da Biodiversidade da ONU, tendo sido publicadas, em 2017, na forma da Estratégia e Plano de Ação Nacionais para a Biodiversidade (Epanb).
Em 2012, foi criado um órgão internacional intergovernamental independente, a Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos, conhecida como IPBES (em inglês, Intergovernmental Science-Policy Platform on Biodiversity and Ecosystem Services), com objetivo de proporcionar o conhecimento científico necessário para subsidiar a tomada de decisão e a elaboração de políticas no campo da conservação e uso sustentável da biodiversidade, bem-estar humano e desenvolvimento sustentável. Sua criação foi inspirada na do Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC).
Intergovernmental Science-Policy Platform on Biodiversity and Ecosystem Services
Hoje, 150 nações são parte do IPBES e uma série de organizações, convenções e grupos da sociedade civil participam dos processos do órgão, assim como uma série de partes interessadas – especialistas, representantes de instituições acadêmicas e de pesquisa, comunidades locais e setor privado. Estas últimas contribuem e se beneficiam do trabalho do órgão, que faz levantamentos, apoio à construção de políticas relacionadas ao tema, capacitação, elaboração e divulgação do conhecimento produzido.
Durante a década da biodiversidade, em 2015, o Financial Stability Board, um organismo internacional que monitora e faz recomendações sobre o sistema financeiro global, criou a Task Force on Climate-Related Financial Disclosures (TCFD) para ampliar a produção e a divulgação de informações financeiras ligadas ao clima, visando uma maior compreensão do mercado financeiro sobre os riscos climáticos.
As recomendações para publicação das informações pelas empresas foram lançadas oficialmente em 2017. Mais recentemente, em 2021, foi criada a Taskforce on Nature-related Financial Disclosures (TNFD), com suas primeiras recomendações publicadas em 2023, ano em que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) tornou obrigatório para as companhias listadas em bolsa o alinhamento dos seus relatos às orientações da TCFD por meio da adoção do framework ISSB que as contempla. Isso é uma mostra de quanto o tema tem se tornado relevante não só para os líderes globais, mas também para as empresas, que cada vez mais precisam considerar os riscos climáticos e ambientais em suas análises financeiras.
Em 2022, na COP15, foi adotado um novo framework de biodiversidade, desenvolvido a partir dos planos estratégicos anteriores e servindo de apoio aos objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU). O Marco Global de Biodiversidade de Kunming-Montreal, como ficou conhecido, tem como objetivo principal que a vida humana esteja em harmonia com a natureza até 2050. Para isso, traçou quatro metas gerais para 2050 com foco nos ecossistemas e espécies:
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- deter a extinção de espécies induzida pela ação humana;
- promover o uso sustentável da biodiversidade;
- garantir a partilha equitativa dos benefícios da biodiversidade; e
- reduzir a lacuna de financiamento da biodiversidade de US$ 700 bilhões por ano.
Nesse contexto, em maio de 2023, o Governo Federal abriu uma consulta pública para atualizar a Epanb a partir do novo marco global.
Em junho de 2024, foi lançada a Estratégia Nacional de Bioeconomia, com a finalidade de coordenar e implementar as políticas públicas destinadas ao desenvolvimento da bioeconomia, em articulação com a sociedade civil e o setor privado. Essa estratégia busca, entre outras coisas, promover o desenvolvimento sustentável utilizando a biodiversidade brasileira para criar produtos, serviços e processos que integrem recursos biológicos com novas tecnologias.
O conceito de bioeconomia
O Decreto 12.044, de 5 de junho de 2024, define bioeconomia como “o modelo de desenvolvimento produtivo e econômico baseado em valores de justiça, ética e inclusão, capaz de gerar produtos, processos e serviços, de forma eficiente, com base no uso sustentável, na regeneração e na conservação da biodiversidade, norteado pelos conhecimentos científicos e tradicionais e pelas suas inovações e tecnologias, com vistas à agregação de valor, à geração de trabalho e renda, à sustentabilidade e ao equilíbrio climático”.
A bioeconomia está ligada diretamente aos serviços ecossistêmicos e depende diretamente de recursos biológicos, como plantas, animais, microrganismos, recursos genéticos e biomassa. Desse modo, ela pode ser impulsionada por soluções baseadas na natureza – e até depender, em certa medida, delas.
Exemplos de bioeconomia no Brasil
O Brasil tem um potencial enorme em bioeconomia. Um levantamento apresentado pelo ICMBio em 2019 catalogou os principais produtos da sociobiodiversidade extraídos e comercializados por 128 associações e cooperativas comunitárias representantes de povos e comunidades tradicionais de Unidades de Conservação de Uso Sustentável. Esse levantamento, ainda que parcial, demonstra a riqueza da sociobiodiversidade brasileira e o potencial a ser explorado de forma transformadora, com justiça, ética e inclusão.
Fonte: Adaptado de ICMBio.
Exemplos de ações de bioeconomia são: (a) na área da agricultura: a agricultura sustentável (agroecologia, agricultura regenerativa, sistemas agroflorestais, integração lavoura-pecuária-floresta), biofertilizantes, aquicultura e pesca; (b) na área da saúde: mapeamento genético, bioinformática, biomimética, cosméticos e fragrâncias; (c) na área industrial: biofibras, tecidos, bioplásticos, biopolímeros, pigmentos e reciclagem; (d) na área de infraestrutura: biocombustíveis (desde que não gerem conversão da vegetação nativa original), tecnologias sociais de geração de energia a baixo custo e recuperação ambiental; (e) na área de turismo e cultura: turismo ecológico, turismo de base comunitária, artesanato, biojóias, parques e museus naturais.
Soluções baseadas na natureza: principais conceitos e soluções
As soluções baseadas na natureza podem contribuir diretamente para a bioeconomia.
Soluções baseadas na natureza são, segundo definição da United Nations Environment Assembly (UNEA) de 2022, ações com o objetivo de proteger, conservar, restaurar, usar sustentavelmente e gerenciar ecossistemas terrestres, de água doce, costeiros e marinhos – naturais ou modificados – que respondem a desafios sociais, econômicos e ambientais de forma efetiva e adaptativa, ao mesmo tempo em que proporcionam benefícios relacionados a bem-estar, serviços ecossistêmicos, resiliência e biodiversidade. Essas soluções usam ou simulam ecossistemas naturais para obter serviços ecossistêmicos e contribuir para o clima, a segurança alimentar e o bem-estar de uma forma geral, ao reduzir a degradação do meio ambiente e da biodiversidade.
Alguns exemplos de soluções baseadas na natureza são:
Parques de águas pluviais e costeiros: espaços recreativos projetados para inundar durante eventos extremos, contribuindo ainda para reduzir efeitos das ondas de calor e melhorar a qualidade do ar.
Telhados verdes: absorvem água da chuva, reduzindo inundações e melhorando a qualidade do ar. Podem ser usados para o plantio de alimentos, reduzindo custos e emissões de transportes.
Pavimentos permeáveis: possibilitam a infiltração de água da chuva. Podem ser usados em acostamentos de estradas ou canteiros urbanos, por exemplo.
Captura de água da chuva: reduz o escoamento de águas pluviais e diminui a demanda por água potável.
Arborização urbana: melhora a qualidade do ar e reduz efeitos das ondas de calor e o escoamento de águas pluviais.
Corredores ecológicos: possibilitam o fluxo de espécies e, quando ao longo de cursos d’água, reduzem inundações.
Manejo de fogo: queimas prescritas e implantação de aceiros em áreas estratégicas para prevenir a ocorrência de incêndios em áreas rurais.
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