O paradigma da medicina personalizada
O conceito de medicina personalizada não é novo. É rotina médica observar que pacientes com sintomas semelhantes podem ter doenças diferentes, com causas distintas. Da mesma forma, o mesmo tratamento pode ter boa resposta em determinados pacientes com uma enfermidade, mas não em outros que, aparentemente, têm a mesma doença. A base da medicina personalizada reside no reconhecimento de que diferentes grupos de indivíduos têm características genômicas específicas e que os tratamentos devem considerar tais diferenças.
Não há consenso na literatura quanto à definição de medicina personalizada. Alguns exemplos seriam:
i. utilização de novos métodos de análise molecular para melhorar o controle da doença ou a predisposição para a doença por parte de um paciente;
ii. fornecimento do “tratamento certo, na dose certa, para o paciente certo, na hora certa”;
iii. customização do tratamento médico para as características individuais de cada paciente; e
iv. forma de medicina que utiliza informações sobre genes, proteínas e ambiente de cada pessoa com o objetivo de prevenir, diagnosticar e tratar a doença (FDA, 2013).
A emergência do paradigma da medicina personalizada em saúde está fundamentada nos recentes avanços nos campos da ciência e da tecnologia, como biologia molecular, imagiologia médica, nanotecnologia, medicina regenerativa e tecnologias da informação e comunicação (SWAN, 2012; HOOD, 2011). Em especial no campo da biologia, o sequenciamento do DNA – possível somente por meio de modernos métodos computacionais – abriu oportunidade para o desenvolvimento da biologia molecular e a criação de um novo campo de pesquisa, a genômica (ALBERTS et al., 2007).
O grande marco científico dessa trajetória foi a conclusão do Projeto Genoma Humano, em 2003, que envolveu um esforço global de 13 anos e US$ 1 bilhão investidos em pesquisa. Desde então, tanto o custo quanto o tempo necessário para o sequenciamento do genoma de um indivíduo reduziram-se drasticamente. O custo do sequenciamento de um genoma humano completo passou de cerca de US$ 100 milhões em 2001 para US$ 2 mil em 2015 (PMC, 2014).
Com o lançamento da segunda geração de equipamentos de sequenciamento em 2008, conhecidos como Next Generation Sequencing (NGS), espera-se que, em um futuro próximo, a redução do custo viabilize a introdução do mapeamento do genoma na rotina médica (PMC, 2014).
No que se refere à prática clínica, no paradigma “tamanho único”, a decisão do médico sobre que medicação prescrever ocorre com base em uma informação geral sobre o tratamento a ser indicado ao paciente. Se o medicamento não tiver resposta satisfatória em algum tempo (dias ou semanas), ele poderá ser alterado. A abordagem “tentativa-e-erro” pode levar a reações adversas, baixa adesão ao regime de tratamento e insatisfação do paciente (FDA, 2013).
Por sua vez, a medicina personalizada busca considerar as diferenças de genótipo e fenótipo dos indivíduos na tomada de decisão a respeito do tratamento.* Nesse contexto, a principal contribuição da medicina personalizada é aumentar a eficiência na tomada de decisão clínica ao distinguir antecipadamente os pacientes com maior probabilidade de se beneficiar de um determinado tratamento daqueles com menor chance. Assim, reduzem-se a possibilidade de incorrer em custos desnecessários de tratamento e a ocorrência de efeitos colaterais do medicamento sem obtenção de ganho terapêutico (SWAN, 2012).
De um lado, no paradigma “tamanho único”, pessoas diagnosticadas com a mesma doença recebem de forma indistinta o mesmo tratamento; de outro lado, no paradigma personalizado, a dose do medicamento é selecionada com base na análise das características dos pares genótipo-fenótipo de cada grupo de indivíduos, observando-se uma variabilidade existente entre seus metabolismos. Dessa forma, pode-se alcançar maior precisão e eficácia no tratamento (FDA, 2013).
O progresso da medicina personalizada está acarretando o aprofundamento do conhecimento sobre os mecanismos subjacentes da doença em nível molecular, além da estratificação de doenças complexas em seus subtipos distintos para teste, diagnóstico e tratamento com as drogas adequadas, o que eleva o nível de precisão, bem como indica novas abordagens para a descoberta de alvos terapêuticos inéditos (HOOD, 2011).
* Enquanto o genótipo pode ser definido como o conjunto de genes de um indivíduo que não são modificados, o fenótipo se refere às características morfológicas, fisiológicas ou de comportamento do indivíduo.
Esse texto é um trecho de um artigo sobre tema mais amplo, intitulado Medicina personalizada: um novo paradigma da P&D farmacêutica, publicado no BNDES Setorial 43, por Thiago Leone Mitidieri, Renata de Pinho Gomes, Vitor Paiva Pimentel e João Paulo Pieroni, empregados do BNDES.
Referências
FDA – FOOD AND DRUG ADMINISTRATION. Paving the Way for Personalized Medicine: FDA’s Role in a New Era of Medical Product Development. Department of Health and Human Services, EUA, out. 2013.
SWAN, M. Health 2050: The Realization of Personalized Medicine through Crowdsourcing, the Quantifi ed Self, and the Participatory Biocitizen. Journal of Personalized Medicine, Palo Alto/CA/EUA, n. 2, p. 93-118, 12 set. 2012.
HOOD, L. Lee Hood outlines his vision of personalized medicine for the next 10 years. Nature Biotechnology, v. 29, n. 3, mar. 2011.
PMC – PERSONALIZED MEDICINE COALITION. The Case for Personalized Medicine. PMC Publications, 4. ed., 2014.