Neutralidade de carbono: caminhos para o setor de energia
Em 2021, o Painel Intergovernamental de Mudança do Clima (IPCC) da Organização das Nações Unidas (ONU) emitiu seu sexto relatório e cobrou ações imediatas, em escala global, para limitar o aquecimento médio global ao máximo de 2°C, e preferencialmente a 1,5°C, em relação aos níveis pré-industriais, como estabelecido no Acordo de Paris.
A urgência de mobilizar esforços é baseada em estudos que indicam que um aumento de temperatura acima desses limites poderia gerar mudanças climáticas irreversíveis, comprometendo não só os modos de vida e de produção atuais, mas a própria existência humana no planeta.
Dados científicos mostram que o aquecimento global decorre, fundamentalmente, da ação do homem – em virtude do aumento das emissões de gases de efeito estufa (GEE) a partir da era industrial. Assim, a solução que vem sendo desenhada globalmente, capitaneada pelos países industrializados, prescreve uma drástica alteração nos sistemas de produção e consumo de energia. A mudança passa por evitar as emissões de GEEs ou por fazer com que sejam compensadas por meio da captura de um volume de CO2 equivalente, com o objetivo de chegar a emissões líquidas iguais a zero até 2050.
O que é preciso para zerar as emissões de carbono?
Relatório elaborado pela Agência Internacional de Energia (IEA, 2021) deixa claro o desafio da mudança necessária no setor de energia mundial para zerar as emissões de carbono. Ele aponta que, entre 2030 e 2050, o consumo de energia deverá permanecer restrito ao patamar de 550 exajoules anuais, o que significa realizar, ainda nesta década, uma redução de cerca de 8%. Essa limitação representa um desafio considerável em um contexto de demanda energética crescente – já que a população mundial deve chegar a 9,7 bilhões em 2050 e o PIB global tem previsão de ser mais que o dobro do atual.
O estudo aponta que, simultaneamente a uma eletrificação maior da economia, será preciso que a geração de energia elétrica tenha suas emissões reduzidas em cerca de 60% até 2030 e alcance emissões líquidas negativas em 2050. A mudança envolve uma alteração significativa na composição da matriz energética mundial, com redução radical das fontes fósseis – petróleo, gás natural e carvão – e incremento de renováveis, como mostra o gráfico a seguir.
Participação % das fontes de energia no cenário IEA net-zero emissions
Fonte: Elaboração própria com base em IEA (2021).
Para além disso, frente à demanda de energia mundial e ao potencial impacto econômico, social e tecnológico dessa transição, outras soluções vêm se destacando. Duas rotas tecnológicas, em especial, podem atuar como verdadeiros catalisadores da redução de emissões a partir de meados da década de 2030: o uso do hidrogênio como energético e as tecnologias de captura, utilização e armazenamento de carbono (CCUS, do inglês carbon capture, utilization and storage). Isso porque ambas contribuem para remoção de carbono (antes ou depois da combustão) em setores de difícil descarbonização.
Tecnologias CCUS
Essas tecnologias têm o objetivo de capturar o CO2 de grandes fontes emissoras, como termelétricas e indústrias que utilizam combustíveis fósseis ou biocombustíveis, assim como diretamente da atmosfera (carbon direct air capture technologies).
Elas são o único grupo de tecnologias que, além de contribuir diretamente com a redução de emissões em setores-chave, como as indústrias de cimento, siderurgia e química, podem auxiliar a equilibrar as emissões inevitáveis em outros setores, como aviação e transportes de longa distância. Constituem assim uma tecnologia crítica para o alcance do objetivo de neutralidade nas emissões.
Entenda como funcionam:
Fonte: Adaptado de IEA (2020).
Hidrogênio e CCUS
A viabilização do uso do hidrogênio como energético, dentre outros desafios, depende de sua produção com baixa emissão de carbono, o que, por sua vez, decorre da rota de produção utilizada. Isso porque ele é derivado de outros elementos, como a água ou o metano, maior componente do gás natural. No Brasil, há algumas oportunidades relacionadas a isso.
A primeira seria a produção por meio da eletrólise da água, que requer uma fonte de eletricidade limpa, como solar e eólica. A vocação do Nordeste brasileiro para esse tipo de geração e a relativa proximidade do mercado europeu para eventual exportação dariam uma vantagem competitiva ao país nesse tipo de produção. Esse é o chamado hidrogênio verde. No entanto, ainda são necessários desenvolvimentos tecnológicos para viabilizar, economicamente, essa produção em larga escala – em 2020, menos de 0,1% da produção mundial dedicada de hidrogênio ocorreu por essa rota.
A segunda via de produção é derivada da reforma a vapor do gás natural, rota que respondeu por mais de 80% de todo o hidrogênio produzido no mundo em 2020. Como esse processo emite CO2, é importante que esteja atrelado ao uso de CCUS, garantindo a produção do hidrogênio com baixos níveis de emissão, a custos competitivos. Essa rota é estratégica para dar escala ao uso do hidrogênio como energético e, portanto, para a própria transição para uma economia de baixo carbono. As enormes reservas de gás natural no pré-sal favorecem que o Brasil também seja um grande produtor de hidrogênio a partir dessa rota.
Por fim, é importante ressaltar que o padrão de emissões brasileiro é muito diferente do resto do mundo. O setor de energia, na média mundial, responde por mais de 80% das emissões. No caso do Brasil, que conta com uma matriz energética bastante limpa, o setor de energia é responsável por apenas 19% das emissões. Por isso, o país tem a chance de potencializar inúmeras vantagens competitivas que podem aumentar seu nível de riqueza e bem-estar social, de forma sustentável, colaborando como um dos principais atores no enfrentamento do aquecimento global.
Esse texto é baseado no artigo Neutralidade de carbono: reflexões sobre estratégias e oportunidades para o Brasil, publicado na Revista do BNDES 56.
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