Mudando o foco da política industrial
A indústria se caracteriza, historicamente, como um setor de elevada produtividade nas principais economias mundiais. Todos os países que passaram por um processo de industrialização tiveram aumento expressivo em sua produtividade, decorrente de uma mudança estrutural na economia. Por esse motivo, as políticas industriais ainda são vistas por muitos governos como uma forma mais dinâmica de impulsionar o desenvolvimento.
O desenho de políticas industriais parece ser um caminho tentador a fim de alavancar o desenvolvimento industrial, mas evidências empíricas mostram que há mais casos de fracasso do que de sucesso nesse tipo de prática. Essa constatação coloca em dúvida se governos devem, de fato, intervir para o desenvolvimento de um segmento da economia. E, em caso positivo, como deveria se dar esse apoio?
Vale a pena ter uma política industrial?
A literatura econômica em geral dá conta de que os governos podem ter um papel relevante para dinamizar um setor. O argumento passa pela ideia de que as escolhas realizadas pelos diferentes agentes econômicos, de forma isolada e descentralizada, podem resultar em uma alocação de recursos que não corresponde ao melhor cenário em termos de bem-estar social. A intervenção governamental, assim, se justificaria como forma de obter uma alocação mais eficiente – como defendem, por exemplo, Aghion, Boulanger e Cohen (2011).
Para os governos, contudo, isso nem sempre é uma tarefa fácil, uma vez que alguns fatores de produção podem não estar disponíveis para atender a uma mudança estrutural na economia. O desenvolvimento de indústrias nascentes (nichos focais), por exemplo, deve estar associado à dotação relativa de fatores de produção como terra (imóvel), capital humano e infraestrutura (lentamente ajustáveis).
As experiências japonesa e coreana de desenvolvimento representam bem esse processo. Nesses países, o governo apoiou inicialmente nichos de bens de consumo não duráveis por meio de subsídios e crédito direcionado, mas ao mesmo tempo realizou os investimentos necessários em educação para que eles se tornassem competitivos também em segmentos mais sofisticados (Ray, 1998).
Qualquer política baseada na escolha de nichos industriais deve também ser acompanhada por meio de indicadores de desempenho objetivos. Uma forma de garantir que o apoio a uma indústria nascente seja bem-sucedido, ao menos em teoria, é verificar se ele satisfaz o teste de Mill-Bastable – como assinala Melitz (2005). A avaliação se baseia em duas condições principais: (i) o setor escolhido deve ser capaz de se tornar competitivo após um período de “proteção” temporária (Mill); e (ii) uma vez competitivo, o setor precisa gerar retornos que possam compensar as perdas incorridas no período de “proteção” (Bastable).
Passar no teste não é tão simples quanto parece, já que no momento de implementação das políticas costuma haver muita incerteza sobre o tempo ideal de “proteção” e sobre os benefícios e custos resultantes. Além disso, mesmo cumprindo as condições, há que se considerar que as indústrias nascentes apoiadas podem gerar efeitos deletérios sobre a produtividade de atividades a jusante e a montante do elo protegido da cadeia. E, ainda, que depois de seu amadurecimento, elas podem formar grupos de interesse capazes de bloquear tentativas de alteração do marco institucional que sejam positivas em termos de desenvolvimento econômico.
Que tipo de política tem maiores chances de sucesso?
Apesar dos desafios e problemas, as políticas industriais estão sempre presentes no debate econômico de diferentes países. Nesse contexto, constata-se que as estratégias de maior sucesso têm sido aquelas que concentram seus esforços em políticas horizontais, ou seja, que oferecem estímulo para empresas de qualquer setor.
Há evidências robustas, por exemplo, de que a inovação induz ganhos de produtividade. Logo, políticas orientadas por essa temática tendem a favorecer todas as firmas, sem necessidade de que sejam escolhidos setores como foco de apoio governamental. No Brasil, observou-se um aumento das políticas voltadas para inovação no setor privado nos últimos anos, com resultados positivos para a produtividade da economia. Estudos mostram, por exemplo, que o apoio do BNDES à inovação teve resultado positivo nas empresas brasileiras (Machado, Martini e Gama, 2017; Machado e Martini, 2019, no prelo).
Da mesma forma, estudos afirmam que estimular a participação das empresas no comércio internacional ou incentivar melhorias de gestão podem ser boas estratégias para alavancar a competitividade do setor produtivo. Noland and Pack (2003) mostram, por exemplo, que os subsídios recebidos por exportadores na Ásia foram cruciais para o desenvolvimento de setores que ainda eram frágeis quando receberam apoio governamental. Já Bloom et al. (2016) estimam que diferenças no nível de gestão respondem por 30% do gap de produtividade encontrado entre os países.
Levando isso em consideração, o foco das políticas de apoio ao setor produtivo vem mudando das escolhas de nichos, para estratégias baseadas no desenvolvimento de um melhor ecossistema institucional. Por meio da adoção de políticas horizontais, com regras comuns a todos os setores, os governos têm obtido melhores resultados, deixando ao mercado a tarefa de selecionar os nichos mais promissores.
Filipe Lage de Sousa - economista do Departamento de Pesquisa Econômica da Área de Planejamento do BNDES e professor no departamento de economia da Universidade Federal Fluminense (UFF). PhD pela London School of Economics, com especialização em desenvolvimento do setor privado.
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