
IMPACTOS NA BIODIVERSIDADE E LIMITES PLANETÁRIOS
O que impacta a natureza e a biodiversidade
O solo, os oceanos, a água doce e a atmosfera são elementos da natureza que, em conjunto, nos fornecem uma variedade de recursos naturais renováveis e não renováveis que produzem um fluxo de benefícios para os seres humanos – os serviços ecossistêmicos. A diversidade biológica ou biodiversidade, por sua vez, é uma característica essencial e integral da natureza e permite que os ecossistemas sejam produtivos, resilientes e capazes de se adaptar.
As ações humanas causam impactos na natureza. Dependendo do que nós (indivíduos, empresas, governos e sistema financeiro) priorizamos, esses impactos podem ser negativos ou positivos.
Por exemplo, ao aumentar a emissão de gases de efeito estufa, podemos, por um lado, acelerar as mudanças climáticas. Por outro lado, medidas que incentivem a redução das emissões, o reúso e a reciclagem de materiais (que reduzem a velocidade de extração de bens da natureza), podem gerar impactos positivos.
Segundo a Taskforce for Nature Financial Disclosure (TNFD), os principais vetores de mudança que impactam a natureza são: mudança climática; mudança do uso da terra, água doce e oceanos; uso e reposição de recursos; poluição ou sua remoção; e introdução ou remoção de espécies exóticas invasoras.
Fonte: Adaptado de TNFD (2023).
Clima e biodiversidade são interdependentes
Entre os vetores que impactam a natureza, a mudança climática é uma das principais causas diretas de impacto sobre a biodiversidade. Por outro lado, os ecossistemas terrestres e aquíferos são responsáveis por absorver metade das emissões de gases de efeito estufa e, portanto, contribuem diretamente para a mitigação das mudanças climáticas.
A destruição de superfícies dos diversos biomas para atividades agrícolas e outros usos da terra representa cerca de 13% do total de emissões humanas de CO2, 44% das emissões de humanas de metano e 81% das de óxido nitroso entre 2007–2016, chegando a 23% do total de emissões antrópicas de gases de efeito estufa. Emissões excessivas acentuam e aceleram os efeitos das alterações climáticas (ex. incêndios florestais), impactando de volta a biodiversidade, podendo causar declínio de dimensão e estado dos ecossistemas, extinção de espécies, alterações nas comunidades ecológicas, alterações na biomassa e deterioração dos elementos da natureza para comunidades e povos indígenas. Isso, por sua vez, afeta o equilíbrio da natureza e, com isso, a capacidade da Terra de absorver e capturar os gases de efeito estufa da atmosfera, aumentando ainda mais temperatura global.
Já com relação à adaptação a eventos extremos – como secas rigorosas, ondas de calor, chuvas intensas –, que aumentam de frequência e intensidade em função das mudanças climáticas, a biodiversidade também cumpre papel importante já que quanto maior a diversidade de espécies, maior a resiliência dos ecossistemas a esses eventos.
Biodiversidade hoje
As mudanças intensas decorrentes das ações humanas nos últimos cinquenta anos alteraram de forma significativa a natureza, gerando uma perda da biodiversidade que aumenta em ritmo acelerado, comprometendo a qualidade da vida no planeta.
Alguns dados do Fórum Económico Mundial (2020) são esclarecedores para nos dar dimensão da perda da biodiversidade no planeta: 32% da área florestal e 50% do sistema de recifes de corais do mundo foram destruídos; mais de 85% das áreas úmidas foram perdidas e 1/3 do solo mundial, degradado; houve declínio da população de 83% das espécies de água doce; 41% das espécies conhecidas de insetos diminuíram nas últimas décadas; e houve declínio de 60% da população de espécies de vertebrados desde 1970. Estimativas apontam que 96% de toda a biomassa de mamíferos hoje é de humanos e gado, enquanto as galinhas domésticas constituem 70% de toda a biomassa de aves. Mantida essa tendência, estaríamos caminhando em direção à perda de metade de todas as espécies até 2050, o que representa riscos inestimáveis para o nosso futuro.
Além disso, as perspectivas para o futuro são preocupantes. Se atingirmos o aumento de 2ºC de temperatura do planeta em relação à era pré-industrial, estima-se que uma em cada vinte espécies estarão ameaçadas de extinção e que mais de 99% dos recifes de coral, que abrigam mais de um quarto de todas as espécies de peixes marinhos, estarão sob ameaça.
A maioria dos serviços ecossistêmicos vitais dos quais a sociedade depende, e que fornecem a base para todas as atividades econômicas, está em declínio. Continuar a ver a natureza como um fornecedor ilimitado e gratuito de insumos essenciais terá efeitos irreversíveis.
Pesquisas apontam que a economia global já está operando fora das zonas seguras para seis dos nove limites planetários, tema que abordaremos a seguir.
Limites planetários – quais são e como são medidos?
O modelo de “limites planetários” foi proposto, em 2009, por Johan Rockström, do Centro de Resiliência de Estocolmo, em conjunto com outros 28 cientistas internacionais. A pesquisa surgiu da urgência de se criar modelo de desenvolvimento econômico-social que considere a manutenção da resiliência e estabilidade do planeta. O modelo proposto nos permite monitorar os impactos das atividades humanas sobre o planeta e identificar quando os limites críticos são ultrapassados.
Resumidamente, foram identificados nove “processos” críticos para garantir que o sistema terrestre continue funcionando como nos últimos 10 mil anos aproximadamente. Para cada processo, foram estabelecidas variáveis de controle e seus respectivos limites (geralmente quantitativos). Quando os indicadores estão dentro dos limites estabelecidos, considera-se que estamos em uma “zona segura” para a humanidade desenvolver suas atividades (safe operating space). Fora dessa “zona segura”, está a “zona de incerteza” onde o risco de gerar mudanças abruptas ou irreversíveis em grande escala aumenta gradativamente.
Os limites planetários definidos no modelo são:
Mudança climática: refere-se à mudança na proporção entre a energia que entra e sai da Terra, causada pelo crescimento da emissão dos gases de efeito estufa e aerossóis. A retenção de radiação provoca o aumento da temperatura global e, consequentemente, alterações climáticas. São consideradas duas as variáveis de controle para esse processo: concentração de CO2 na atmosfera e mudança no forçamento radiativo (alteração no balanço energético global da Terra, expresso em watts por m2);
Novas entidades: refere-se à introdução de “entidades” completamente novas no sistema terrestre, sem a devida avaliação de segurança e monitoramento. Alguns exemplos são produtos químicos e substâncias sintéticas, materiais radioativos mobilizados pelo homem (como lixo e armas nucleares), organismos geneticamente modificados (OGM) e outras intervenções humanas em processos evolutivos. É um indicador de difícil mensuração, pois não sabemos exatamente quanto desses produtos já foram lançados no planeta, nem quais são os impactos efetivos disso.
Esgotamento do ozônio estratosférico: trata da redução da camada de ozônio estratosférico – decorrente da emissão de “novas entidades”, notadamente substâncias químicas artificiais – permitindo que mais radiação UV alcance a superfície terrestre. O limite definido para uma “zona segura” seria operarmos com uma redução de concentração do ozônio em até cerca de 5% em relação ao nível pré-industrial.
Carga de aerossol atmosférico: o aumento de partículas suspensas no ar, provenientes de atividades humanas ou fontes naturais, pode alterar padrões de temperatura e precipitação. O limite para esse processo é medido por meio da profundidade óptica de aerossóis (AOD), que permite mensurar o quanto a presença de aerossóis reduz a quantidade de luz solar que atinge a superfície do planeta.
Acidificação dos oceanos: é o fenômeno de aumento da acidez (diminuição do pH) nas águas oceânicas devido à absorção de CO2 atmosférico. Esse processo prejudica organismos calcificantes (como corais, crustáceos e moluscos), impactando os ecossistemas marinhos, e reduz a eficiência do oceano em atuar como um sumidouro de carbono. A variável de controle é a saturação de aragonita (uma forma cristalina de carbonato de cálcio) na superfície do oceano: quanto menor a saturação, mais ácida a água.
Mudança dos ciclos biogeoquímicos: refere-se ao “movimento” natural de elementos químicos chave entre os seres vivos, a atmosfera e o solo. Esses ciclos são fundamentais para a manutenção da vida e de ecossistemas e têm sofrido alterações em função da agricultura e indústria, por exemplo. Atualmente, são avaliados os fluxos de nitrogênio para os oceanos e de fósforo para o solo.
Mudanças no uso da água: refere-se a mudanças em todo o ciclo da água doce na terra. O sistema de rios representa a água azul (superficial e subterrânea) e leva em conta a regulação dos rios e a integridade dos ecossistemas aquáticos. A umidade do solo representa a água verde (água disponível para as plantas) e leva em conta a regulação hidrológica dos ecossistemas terrestres, clima e processos biogeoquímicos. Alterações nos ciclos impactam captura de carbono e biodiversidade e podem levar a alterações no nível das chuvas. O limite é baseado na variação da área com fluxo de água e da umidade na zona das raízes ou radicular.
Mudanças no uso da terra: a variável de controle para esse processo é a cobertura florestal remanescente em comparação à cobertura original estimada. Atualmente, a metodologia foca em três biomas florestais (florestas tropicais, temperadas e boreais) que, em conjunto, desempenham importante papel para a saúde do sistema terrestre. As mudanças causadas pelo desmatamento e urbanização, por exemplo, reduzem funções naturais como o sequestro de carbono, reciclagem da água, além de reduzir hábitats da vida selvagem.
Integridade da biosfera: a biosfera é a camada da Terra onde a vida existe, incluindo todos os ecossistemas e organismos vivos. Sua integridade é fundamental para o equilíbrio dos sistemas naturais, pois envolve interações complexas entre os organismos e seu ambiente. Uma das variáveis utilizadas para mensurar a integridade da biosfera é a diversidade genética. Para tal, foi definida uma taxa máxima de extinção compatível com a preservação da base genética da complexidade ecológica da biosfera. A segunda variável diz respeito à integridade de seu funcionamento e está diretamente associado à diversidade genética.
Limites planetários – qual a situação hoje?
Em 2023, uma equipe de cientistas quantificou, pela primeira vez, todos os nove processos que regulam a estabilidade e a resiliência do sistema planetário. A conclusão do estudo foi a de que já ultrapassamos seis dos nove limites planetários: mudança climática, novas entidades, ciclos biogeoquímicos, mudanças no uso da água, mudanças no uso da terra e integridade da biosfera.
Se, por um lado, é importante lembrar que esses limites são interdependentes e ultrapassá-los – como já foi feito – pode levar a mudanças ambientais abruptas ou irreversíveis em grande escala; por outro, seu estabelecimento dá parâmetros para que humanidade perceba o intervalo de tempo, ainda que breve, que tem para se adaptar e agir.
Os resultados do modelo demonstram que uma das formas mais poderosas para combater as mudanças climáticas e, consequentemente, reduzir os impactos em biodiversidade, é retomar a cobertura florestal aos níveis do fim do século XX. Ou seja, é urgente priorizarmos ações que sejam capazes de mitigar os danos sobre a natureza como, por exemplo, políticas públicas com foco ambiental, práticas comerciais e produtivas sustentáveis, divulgação dos riscos e oportunidades associadas à preservação da natureza e a própria preservação da diversidade cultural.
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