Aviso: Utilizamos dados pessoais, cookies e tecnologias semelhantes de acordo com nossos Termos de Uso e Política de Privacidade. Ao continuar navegando, você concorda com estas condições.

BNDES - Agência de Notícias

Thu Nov 21 15:15:06 CET 2024 Thu Nov 21 15:15:06 CET 2024

Blog do Desenvolvimento

16:57 07/06/2024

Estudo |
Inovação |
Saúde |
Política Industrial |

Estudo analisa políticas industriais para o complexo da saúde no mundo pós-Covid-19

Com a eclosão da pandemia da Covid-19 em 2020, foram expostas as fragilidades das cadeias globais de valor relacionadas à produção de bens e serviços de saúde, cujas interconexões e atividades econômicas foram denominadas de Complexo Econômico-Industrial da Saúde (Ceis).[1]

Ao contribuir para desorganizar, ainda que temporariamente, diversas cadeias globais de valor, a pandemia levou ao aumento da percepção global de risco sistêmico derivado desse tipo de configuração produtiva. Seus efeitos devastadores ocorreram em várias frentes, causando escassez de medicamentos, vacinas e equipamentos médicos. Entre as razões dessas fragilidades, destaca-se a concentração da produção de bens essenciais em poucos países, como China e Índia.

Para muitos países, portanto, ficou claro que eventos extraordinários, como a pandemia, desastres climáticos ou mesmo conflitos geopolíticos, ressaltam a necessidade de se repensar a organização internacionalizada da produção, especialmente para produtos essenciais e estratégicos. Esse cenário levanta um dilema entre a busca por competitividade e a redução de custos, do ponto de vista empresarial, e a garantia da disponibilidade de produtos essenciais para a população, do ponto de vista público. Essa dicotomia tem impulsionado a formulação de novas políticas industriais em todo o mundo, com foco especial no Ceis.

O artigo Políticas industriais para o Complexo Industrial da Saúde no mundo pós-Covid-19, elaborado pelos economistas do BNDES Diego Nyko, Vitor Pimentel e Clarice Braga, analisa as políticas desenvolvidas por Estados Unidos da América (EUA), União Europeia (UE), China e Índia. Como esperado, a posição competitiva de cada economia condiciona a ambição e as possibilidades de cada política industrial. Entretanto, é possível identificar algumas similaridades e pontos de convergência como o uso de amplo conjunto de ferramentas de políticas industriais, o que inclui compras públicas, regulação, recursos não reembolsáveis, crédito (com subsídios), entre outras.

 

Uma questão de demanda

Em primeiro lugar, as políticas desses países têm em comum uma forte vinculação com as necessidades de saúde de suas populações, ao propor considerar a demanda interna como a principal motivação para a política. Entretanto, as ênfases e justificativas subjacentes a essa vinculação são mais variadas. China e Índia abordam o mercado interno como relevante plataforma para conectar a política industrial e a inserção externa às necessidades locais. Já para a UE, a vinculação com as necessidades locais deve estar a serviço das políticas sociais e do combate às desigualdades no acesso à saúde. Finalmente, a versão norte-americana enfatiza a soberania nacional como elemento central para a fundamentação do direcionamento da demanda interna para o fortalecimento da indústria.

Ainda pelo lado da demanda, vale notar que as políticas buscam definir prioridades dentro do universo de possibilidades da saúde, tanto no nível do produto final quanto no mapeamento dos insumos e produtos intermediários que compõem a cadeia produtiva necessária para sua produção. Como exemplo, é relevante mencionar que os EUA publicaram uma lista de produtos estratégicos[2] para direcionar seus instrumentos de política pública, inclusive identificando o componente tecnológico crítico necessário para garantir a resiliência produtiva.

 

Inovar para ter saúde

A inovação destaca-se como elemento fundamental em todas as políticas industriais recentes. Ações de fomento à inovação estão exatamente na interseção dos objetivos sociais e econômicos do Ceis. De um lado, ficam explícitos os objetivos sociais, como o apoio a inovações que solucionem lacunas em saúde – por exemplo, as necessidades médicas não atendidas. De outro, a inovação é fonte de competitividade dessas economias, seja no sentido de redução do gap em custos de medicamentos genéricos, por exemplo, seja na construção de competências necessárias para aumentar o valor agregado dos medicamentos produzidos.

 

Saúde verde e regulação sanitária

Outra dimensão abordada em todas as políticas industriais analisadas é a ambiental. Há uma clara dinâmica de tese e antítese: EUA e UE buscam fortalecer e ampliar os requisitos ambientais para a produção de bens do complexo industrial da saúde, apontando que as práticas ambientais da China e da Índia seriam fontes de indevidas vantagens competitivas em custo. Nas políticas industriais dos EUA e da UE, padrões ambientais mais rigorosos poderiam induzir movimentos de retorno de unidades industriais para seus territórios (reshoring), onde as medidas de comando e controle são mais efetivas. Por sua vez, China e Índia estão atentas aos novos requisitos dos principais mercados globais e declaram estar buscando ativamente fortalecer suas práticas ambientais, de modo a responder e contrapor uma eventual fuga de unidades industriais de seus territórios.

A regulação sanitária é também uma constante no debate sobre localização de atividades produtivas e de inovação. No caso dos EUA e da UE, suas agências sanitárias são alçadas a protagonistas da política industrial, tanto no diagnóstico situacional das cadeias de valor quanto como executoras de diferentes políticas públicas. Nesse caso, as respostas de China e Índia são diferentes. Enquanto a China parece estar disposta a harmonizar sua regulação sanitária aos padrões ditados pelos EUA e pela UE, a Índia ainda prioriza ações para cumprir os requisitos da Organização Mundial da Saúde, usualmente considerados menos rigorosos.

 

Saúde por todos os lados

Do ponto de vista da oferta, tanto EUA como UE estabelecem a diversificação de fornecedores como objetivo principal de suas políticas, sob a justificativa de tornar as cadeias de fornecimento mais robustas e resilientes a choques, como foi o caso da pandemia de Covid-19. Nesse sentido, buscam não apenas trazer de volta a seus territórios (reshoring) a produção de bens e insumos considerados críticos, mas promover ativamente a diversificação das atividades produtivas no mundo, especialmente em nações próximas territorialmente (nearshoring) e em aliados geopolíticos (friendshoring). Ressalta-se, assim, que o movimento rumo à diversificação de fornecedores sinaliza o distanciamento de tentativas de autossuficiência produtiva.

China e Índia, por seu turno, visam principalmente defender e consolidar sua posição de liderança nas indústrias de saúde, buscando superar as principais críticas e fontes de vulnerabilidade na disputa pelos investimentos – especialmente no campo das políticas ambientais. Com mais poder econômico, a estratégia chinesa é mais ambiciosa, almejando não apenas defender-se, mas também competir na fronteira da tecnologia e incorporar a demanda interna como fonte de competitividade. Já a Índia parece priorizar o adensamento de suas cadeias produtivas internas, destacando o elo da indústria química que pode ser mobilizado pela produção de insumos farmacêuticos ativos (IFA) – materiais de partida e intermediários de síntese –, bem como diversificando sua base produtiva dentro do Ceis, o que leva ao seu avanço para o setor de dispositivos para saúde.

 

Oportunidades para o Brasil

Pode-se depreender desse cenário um claro refluxo no paradigma da globalização produtiva, em que a especialização passa a abrir espaço para considerações estratégicas em torno da diversificação de fornecedores, especialmente no âmbito das políticas industriais declaradas dos EUA e da UE. Por sua vez, Índia e China propõem não apenas a defesa de suas posições, mas ambicionam uma inserção ainda mais qualificada na economia mundial, tanto por meio da inovação quanto por meio da entrada em novos segmentos produtivos.

Essas considerações podem contribuir para avaliar estrategicamente os caminhos possíveis para o desenvolvimento do Ceis no Brasil, uma vez que questões geopolíticas que moldam as políticas industriais acabam, de certa forma, limitando determinados caminhos e abrindo oportunidades em outros. Como exemplo, a diversificação produtiva desejada pelos EUA e pela UE pode abrir caminho para a relocalização produtiva em países alinhados tanto do ponto de vista político quanto em suas práticas regulatórias e ambientais. Por outro lado, essa janela temporal poderá ser breve, tendo em vista que a China e a Índia já estão se movimentando para cumprir os requisitos regulatórios propostos.

 

Acesse aqui, na íntegra, o artigo Políticas industriais para o Complexo Industrial da Saúde no mundo pós-Covid-19, publicado na Revista do BNDES 59

 

 

[1] GADELHA, C. A. G. O complexo industrial da saúde e a necessidade de um enfoque dinâmico na economia da saúde. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 8, n. 2, p. 521-535, 2003. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/ g3s64xr995byZfmkHb4HBrc/#. Acesso em: 12 mar. 2024.

[2] FDA – FOOD AND DRUG ADMINISTRATION. Executive order 13944 list of essential medicines, medical countermeasures, and critical inputs. Silver Spring: FDA, 2022. Disponível em: https://www.fda.gov/about-fda/reports/executive-order-13944-list-essential-medicines-medical-countermeasures-and-critical-inputs. Acesso em: 23 out. 2023.

 

Conteúdos relacionados

Complexo Industrial da Saúde como estratégia de desenvolvimento para o Brasil

Seminário debate Saúde como estratégia de desenvolvimento

Complexo Industrial da Saúde tem R$ 6 bilhões do BNDES até 2026

 

*campo obrigatório