Envelhecimento e transição demográfica
No Brasil e no mundo, a parcela da população com idade acima de sessenta anos está crescendo em um ritmo mais acelerado do que qualquer outro grupo etário. Historicamente, o número de crianças sempre foi superior ao número de idosos. Porém, espera-se que em 2050 o percentual da população mundial acima de sessenta anos ultrapasse o percentual de jovens de até 14 anos. No Brasil, essa transição deve ocorrer já em 2030, conforme mostra o Gráfico 1.
Gráfico 1 | Proporção da população com idade até 14 anos e acima de sessenta anos, 1980-2070
Fonte: Elaboração própria, com base em United Nations (2015).
A proporção da população idosa (acima de sessenta anos) está aumentando, enquanto a proporção da população de jovens (zero a 14 anos) e de adultos (de 15 a sessenta anos) se reduz. O peso das pessoas economicamente dependentes, na população brasileira, chamado de razão de dependência, aumentaria de 0,53, em 2015, para 0,59, em 2030 (UNITED NATIONS, 2015).
O processo de evolução demográfica das sociedades é usualmente descrito em quatro etapas. Na primeira, a taxa de nascimento e a taxa de mortalidade são altas, resultando em baixo crescimento populacional e estrutura etária com formato de pirâmide, com muitas crianças e pouca população idosa. Na segunda etapa, a queda da mortalidade infantil combinada com a manutenção de altas taxas de fertilidade provoca crescimento populacional, potencialmente com um efeito virtuoso, o chamado “bônus demográfico”, uma vez que cresce a proporção da população em idade ativa.
Na terceira etapa, o fato relevante é a queda na taxa de fertilidade, estreitando a base da pirâmide e empurrando para cima a média de idade da população. Por fim, na quarta, a mortalidade e a fertilidade são baixas e estáveis, o crescimento populacional estabiliza-se e a estrutura etária torna-se quase retangular, com maior peso da população idosa, marcada pelo fenômeno do envelhecimento populacional (HE; GOODKIND; KOWAL, 2016).
O envelhecimento populacional pode ser explicado por dois fatores-chave: o aumento da expectativa de vida e a queda da taxa de fecundidade. Nos últimos anos, o mundo assistiu a uma grande elevação da expectativa de vida ao nascer de sua população. Nos anos 1950, a expectativa de vida era de 46,8 anos. Em 2015, esse indicador passou para 70,4, e espera-se que em 2030 chegue a 74,5 anos.
O Brasil segue a tendência mundial, sendo projetada para 2030 uma expectativa de vida populacional média de 79 anos (UNITED NATIONS, 2015). Esse aumento da expectativa de vida ao nascer é causado conjuntamente pela redução da mortalidade infantil e pela maior sobrevivência em idades mais avançadas. Na maior parte do mundo que ainda passa pela primeira transição demográfica, a redução da mortalidade infantil foi o fator preponderante para elevar a expectativa de vida. Nos países desenvolvidos, onde o patamar de mortalidade infantil é baixo, o fator de maior impacto foi o aumento da sobrevivência dos idosos.
Taxa de mortalidade infantil e taxa de fecundidade
A taxa mortalidade infantil (TMI) reduziu significativamente, no mundo, nos últimos sessenta anos, passando de 142 óbitos a cada mil nascimentos, em 1950, para 32 a cada mil, em 2015. No Brasil, o processo de convergência da TMI com os melhores padrões internacionais vem ocorrendo desde a década de 1980. Em 2015, a TMI do Brasil foi de 13,8, e estima-se que esse número chegue a nove por mil nascimentos até 2030, de acordo com o que se observa no Gráfico 2. A título de comparação, nos países de alta renda da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), essa taxa é atualmente de 4,1 por mil.
Gráfico 2 | Taxa de mortalidade infantil a cada mil nascidos vivos, real e projetada – mundo, Brasil e países desenvolvidos, 1950-2070
Fonte: Elaboração própria, com base em United Nations (2015).
Essa redução significativa da taxa de mortalidade infantil ocorreu graças a um conjunto de fatores que incluiu a urbanização, a melhoria das condições sociais da população (com destaque para o avanço relativo do saneamento básico) e uma série de ações de saúde pública, como a maior atenção ao pré-natal, ao aleitamento materno e à vacinação, a introdução de agentes comunitários de saúde e a Estratégia de Saúde da Família (ERVATTI; BORGES; JARDIM, 2015).
Assim como a TMI, a taxa de fecundidade também caiu progressivamente em todo o mundo, com a disseminação de métodos contraceptivos, a invenção da pílula anticoncepcional e a entrada da mulher no mercado de trabalho a partir dos anos 1950. Em 1950, essa taxa era de cerca de seis filhos por mulher no Brasil, de cinco filhos por mulher no mundo e de um pouco menos de dois filhos por mulher nos países desenvolvidos. À semelhança do que ocorreu com a TMI, a taxa de fecundidade brasileira descolou-se da dos países menos desenvolvidos na segunda metade do século XX, chegando a um padrão similar ao dos países desenvolvidos a partir dos anos 2000, de menos de dois filhos por mulher (Gráfico 3).
Gráfico 3 | Taxa de fecundidade (número de filhos por mulher), real e projetada – mundo, Brasil e países desenvolvidos, 1950-2060
Fonte: Elaboração própria, com base em United Nations (2015).
Sobrevivência em idades avançadas
Outro fator relevante da transição demográfica atual é a longevidade. Há uma fatia crescente da população composta por idosos, e chama a atenção, nesse grupo, a parcela de idosos que vai viver por muitos anos. Entre 2015 e 2030, prevê-se que o grupo dos idosos acima de 85 anos aumentará em um ritmo maior que a população entre zero e sessenta anos e maior que a população de idosos como um todo, podendo alcançar 7% do total de pessoas em 2030, ante 5% em 2015 (Gráfico 4). A maior probabilidade de morte ocorre, cada vez mais, em idades mais avançadas. Estima-se que, por volta de 2030, 78% das mortes no Brasil ocorrerão com pessoas acima de sessenta anos. Cabe notar que, em 1950, apenas 18% das pessoas passavam dos sessenta anos (UNITED NATIONS, 2015).
Gráfico 4 | Taxa de crescimento populacional por faixa etária – mundo e Brasil, 2015-2030
Fonte: Elaboração própria, com base em United Nations (2015).
Nesse contexto, uma importante questão é se esses idosos com idades cada vez mais avançadas conseguirão ter sua vida saudável prolongada ou se esses anos adicionais serão vivenciados sem saúde. Se os anos adicionais forem vivenciados de forma saudável e produtiva, haverá um aumento de recursos humanos que poderão continuar contribuindo de maneira ativa para a sociedade. Caso contrário, haverá apenas maior demanda por saúde e assistência social. Quanto a esse respeito, não parece haver ainda consenso na literatura, mesmo se considerada a experiência dos países mais avançados (UNITED NATIONS, 2015).
Diferenças territoriais
É marcante a diferença entre a velocidade observada da transição demográfica nos países desenvolvidos e a prevista para os países em desenvolvimento. Como pode ser observado na Figura 2, enquanto a França levou aproximadamente 150 anos para que a população acima de sessenta anos passasse de 10% para 20% do total, Brasil, China e Índia deverão ter apenas vinte anos para se adaptar à mesma situação.
Figura 2 | Velocidade do envelhecimento da população (tempo para a população de idosos passar de 10% para 20% da população)
Fonte: Elaboração própria, com base em WHO (2015).
Pode-se dizer que essa diferença de velocidade deve-se à queda acelerada da TMI e da taxa de fecundidade observada nos países menos desenvolvidos na segunda metade do século XX. Essa diferença poderia ser explicada pelo fato de as tecnologias e os hábitos que permitiram essa transição demográfica terem surgido e sido incorporados gradualmente nas sociedades mais desenvolvidas. Por sua vez, os demais países puderam dispor de tecnologias e hábitos mais complexos já consagrados, o que teria permitido que se apropriassem dos avanços tecnológicos e sociais de maneira mais acelerada.
As diferenças territoriais observadas entre países também podem ocorrer dentro de um mesmo país. No Brasil, a transição demográfica reflete suas desigualdades regionais, conforme pode ser visto na Tabela 1. O aumento do percentual de idosos é uma tendência em todas as regiões, porém esse processo está mais avançado no Sul e no Sudeste e menos no Norte, no Centro-Oeste e no Nordeste. A principal razão disso é a maior expectativa de vida nas primeiras regiões em relação às últimas, em função da menor TMI. Ressalta-se, contudo, que houve uma expressiva queda da TMI nas regiões Norte e Nordeste.
A taxa de fecundidade também tem diferenças entre regiões. A região Norte é a única que ainda apresenta uma taxa equivalente ao nível de reposição populacional (2,1 filhos por mulher). Mesmo em 2030, conforme as projeções, ainda devem ser marcantes as diferenças regionais no Brasil, o que deve ser levado em consideração na formulação de políticas públicas.
Tabela 1 | Indicadores relacionados ao envelhecimento populacional das regiões do Brasil, 2000, 2015 e 2030
Fonte: Elaboração própria, com base em Ervatti, Borges e Jardim (2015).
Esse texto é um trecho do artigo O desafio do envelhecimento populacional na perspectiva sistêmica da saúde, publicado no BNDES Setorial 44 por Carla Reis, Larissa Barbosa e Vitor Pimentel, empregados do BNDES.
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Referências
UNITED NATIONS. Department of Economic and Social Affairs, Population Division. World population prospects:the 2015 revision, key findings and advance tables. Working Paper ESA/P/WP 241. 2015.
HE, W.; GOODKIND, D.; KOWAL, P. An aging world: 2015. United States Census Bureau, International Population Reports, março 2016.
ERVATTI, L. R.; BORGES, G. M.; JARDIM, A. P. Mudança demográfica no Brasil no início do século XXI: subsídios para as projeções de população. Rio de Janeiro: IBGE, 2015.