Economia circular: resíduo que vira insumo
O tradicional modelo de produção linear (extrair-transformar-descartar), que tem origem com a Revolução Industrial, mostra-se cada vez mais esgotado e ambientalmente insustentável. Resíduos são gerados, acumulados e, simplesmente, descartados, degradando o ambiente em favor do crescimento econômico.
De acordo com dados do Banco Mundial, o mundo gera em torno de dois bilhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos por ano, e uma estimativa conservadora aponta que 33% desse total têm destinação ambiental inadequada, por exemplo, em lixões.
A disposição inadequada de resíduos provoca contaminação da vegetação e de corpos d’água, estimula a proliferação de potenciais transmissores de doenças contagiosas e afeta a saúde dos residentes em seu entorno. Além disso, a biodegradação do material orgânico, que ocorre em aterros sanitários, produz gás metano e, assim, contribui para o aquecimento global.
Diante desse cenário preocupante, muitos países vêm implementando, em suas políticas públicas, medidas para redução de geração de resíduos com incentivo à promoção da economia circular por meio de reúso e reciclagem – e, nos casos em que essas atividades não se viabilizam, pelo aproveitamento energético.
O conceito de economia circular
O conceito de economia circular é amplo e não há uma definição única consolidada. O principal pilar desse novo modelo de produção é o reposicionamento do resíduo como insumo/matéria-prima. Os princípios circulares envolvem, dessa forma, o estímulo à otimização do uso de recursos desde a concepção dos produtos até sua disposição final, de forma a ampliar seu ciclo de vida útil e garantir que somente rejeitos sejam descartados.
Entre os novos modelos de negócios que podem estimular esse sistema, é possível citar: reutilização, remanufatura, reciclagem, design de longa duração, desenvolvimento de materiais e embalagens biodegradáveis e recuperação de materiais nas fases de produção, distribuição e consumo.
Segundo o relatório The circularity gap report, no entanto, hoje, apenas 9% da economia global é circular, o que significa que o planeta reutiliza menos de 10% das 92,8 bilhões de toneladas de minerais, combustíveis fósseis, metais e biomassa consumidos anualmente em processos produtivos.
O problema do resíduo plástico e o exemplo europeu
O plástico, por exemplo, foi um material essencial para o progresso da humanidade. Suas propriedades, como leveza e maleabilidade, permitiram uma ampla versatilidade de uso pelas mais diferentes indústrias, tornando-o um material extremamente popular.
Do total do plástico produzido ao longo dos anos, mais da metade foi produzida nos últimos 16 anos, e isso está diretamente ligado à popularização do uso de embalagens plásticas descartáveis. A indústria de embalagem se destaca como o principal usuário desse material, sendo responsável pelo consumo de 42% da produção de plástico em 2015 (RITCHIE; ROSER, 2018).
Apesar de a gestão de resíduos ser um tema que avança cada vez mais na Europa, a União Europeia ainda enfrenta grandes desafios como a redução do nível de geração de resíduos e o alinhamento da política de gestão de resíduos com os princípios da economia circular.
Em 2018, o Parlamento Europeu aprovou o Circular Economy Package, atualmente, a mais moderna legislação sobre economia circular no mundo. A meta europeia para reaproveitamento e reciclagem dos resíduos sólidos urbanos é alcançar 65% em 2030.
Um dos destaques da nova legislação foi o estabelecimento de uma estratégia específica para plásticos, a fim de promover uma mudança na forma como esse material e produtos são concebidos, produzidos, utilizados e reciclados. Até 2030, foi estabelecido como meta o reúso ou a reciclagem de todas as embalagens plásticas, criando uma oportunidade para a melhoria da competitividade e do grau de inovação da indústria.
A nova estratégia promete tornar a reciclagem uma atividade lucrativa. Estima-se que a melhoria das instalações de coleta e o aumento da reciclagem representem uma economia de cerca de € 100 por tonelada de plástico recolhida. A inovação também será reforçada por meio de apoio adicional de cerca de € 100 milhões do programa Horizon 2020, além dos mais de € 250 milhões já investidos no financiamento da criação de materiais plásticos mais inteligentes e recicláveis, no aumento da eficiência dos processos de reciclagem e na detecção e remoção de substâncias perigosas e poluentes dos plásticos reciclados.
A estratégia para os plásticos adotada pela Europa é considerada elemento fundamental para a transição para o modelo de economia circular, além de uma contribuição importante para o cumprimento das metas estabelecidas no Acordo de Paris.
A situação do Brasil na gestão dos resíduos sólidos
Aprovada em 2010, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) incorporou princípios legais alinhados com as práticas mais avançadas existentes em outros países, priorizando a redução na geração de resíduos, a reutilização de materiais e a reciclagem, de forma a destinar apenas rejeitos para aterros sanitários.
Segundo dados da Abrelpe (2018), 40,9% dos resíduos coletados no Brasil em 2017 tiveram destinação inadequada, ou seja, 29 milhões de toneladas de resíduos foram depositados em lixões ou em aterros controlados, representando risco à saúde da população e ao meio ambiente. Entre as dificuldades a serem enfrentadas destacam-se o alto custo do processo de operação, que envolve a coleta, o tratamento e a disposição dos resíduos, aliado à falta de receita destinada ao setor.
A gestão de resíduos sólidos continua sendo um grande desafio para o Brasil. Todos os atores – sociedade civil, governo e empresas –, sem exceção, precisam atuar com mais esforço para aperfeiçoar a gestão dos resíduos sólidos urbanos no país. Isso inclui um maior incentivo à reciclagem e compostagem, o desenvolvimento de formas de aproveitamento energético, o fechamento de lixões, enfim, o desafio da valorização do lixo como resíduo.
Leia o artigo completo para saber mais
Esse texto é baseado no artigo Políticas Públicas na Gestão de Resíduos Sólidos: experiências comparadas e desafios para o Brasil, das autoras Vanessa Pinto Machado e Silva e Luciana Capanema, publicado no BNDES Setorial 50.
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