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BNDES - Agência de Notícias

Fri Sep 20 02:37:39 CEST 2024 Fri Sep 20 02:37:39 CEST 2024

Blog do Desenvolvimento

Desenvolvimento sustentável é desenvolvimento inclusivo

O evento States of the Future, realizado entre 22 e 26 de julho, no Rio de Janeiro, em paralelo ao G20, reuniu diversos atores globais, entre governos, academia, sociedade civil, think tanks, setor privado e organismos internacionais, para refletir sobre o papel do Estado em direção a um modelo de desenvolvimento mais sustentável e socialmente justo.

 

Em conversa com Geraldine Fraser-Moleketi, presidenta da Thabo Mbeki Foundation, Leticia Leobet, assessora Internacional do Geledés – Instituto da Mulher Negra, Michelle Bachelet, ex-alta comissária das Nações Unidas para os direitos humanos, ex-diretora executiva da ONU Mulheres e ex-presidenta do Chile, Thelma Krug, vice-presidente do Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC), e Tonika Sealy-Thompson, embaixadora de Barbados no Brasil, registramos algumas visões sobre os desafios do desenvolvimento inclusivo nesse contexto.

 

A complexidade de não deixar ninguém para trás

"Um dos grandes desafios para a construção de um modelo de desenvolvimento que seja inclusivo gira em torno da questão da crescente polarização – global, regional e dentro dos países. Acho que isso dificulta bastante. Mas a segunda questão também é a do compromisso com a sustentabilidade, e esse compromisso exige que ela faça parte de todas as políticas e programas do governo, por exemplo, e, também, que a sociedade mais ampla tenha uma abordagem que abarque toda a cultura de sustentabilidade e inclusão. Existe o princípio de não deixar ninguém para trás e a centralidade da questão é superar a complexidade de não deixar ninguém para trás. É difícil, porque você precisa fazer isso em todos os aspectos da sociedade e em todos os aspectos da vida e isso não é tão simples. Tivemos uma discussão hoje mais cedo que analisou a questão da tecnologia, e superar a questão de não deixar ninguém para trás por meio da tecnologia é muito complexo. Será necessário que o governo e o setor privado tenham um esforço coordenado para ver como a tecnologia se torna acessível a todos, independentemente de onde estão. Mas que o façam para superar os desafios de desenvolvimento dentro dos países, e penso que isso é um desafio. A terceira questão, claro, é a questão da capacidade dos servidores públicos: como podemos garantir que todos os servidores públicos sejam treinados em ritmo contínuo. Isso vai exigir escola para servidores públicos, vai exigir universidades, vai exigir que todos tenham uma grande consciência em torno da necessidade de aprender. Mas também significa que os nossos países, as nossas sociedades, devem desenvolver economias do conhecimento e os servidores públicos precisam desenvolvê-las."

 

Geraldine Joslyn Fraser-Moleketi

 

 

Leobet: “Não existe desenvolvimento sustentável sem o enfrentamento do racismo”

"Dado o cenário global das múltiplas crises, é um momento muito oportuno para que o Estado se repense, se questione em relação às suas práticas. A gente vive um contexto, um cenário global, extremamente complexo: as múltiplas crises, o enfraquecimento do multilateralismo, as questões de governança global. É muito relevante que os Estados se repensem e se repensem numa perspectiva de reorientação. Acho que no programa [do evento] está “qual a orientação para os Estados”, mas acho que eu chamaria de reorientação porque é justamente o momento de refletir a partir de outras perspectivas, de outras cosmologias, de outros lugares, que tragam soluções para essas necessidades que estão colocadas nesse momento.

O Brasil tem uma grande responsabilidade, mais uma vez, tanto no âmbito nacional, quanto no âmbito global, de se posicionar em relação ao enfrentamento do racismo e considerar isso como uma diretriz para a implementação de políticas, para a promoção de desenvolvimento, sustentabilidade, justiça, porque esses três fatores precisam estar interligados para que o desenvolvimento seja de fato sustentável e alcance toda a população brasileira, especificamente, os 56% da população, que é a maioria da população, mas que historicamente tem sido deixada para trás.

[...]

Eu atuo em Geledés na agenda de desenvolvimento sustentável. Tem uma dimensão sobre a participação social, a participação da sociedade civil, que é extremamente relevante nesse processo. Tem uma necessidade de um maior reconhecimento e valorização dessa participação social e do reconhecimento do que a sociedade civil brasileira tem feito no âmbito internacional e no âmbito local olhando para a agenda de desenvolvimento sustentável.

Tem uma frase muito emblemática na fala que eu preparei que é “não existe desenvolvimento sustentável sem o enfrentamento do racismo”. É uma fala que chama muito a atenção para as desigualdades estruturais enquanto barreiras para o avanço e para a implementação da agenda de desenvolvimento sustentável e eu acho que é uma discussão muito ampla. Então a gente vai falar sobre muitas coisas.

A gente vai falar sobre adaptação às mudanças climáticas, sobre as questões de financiamento, enfim, acho que são muitos temas e a nossa prioridade enquanto Geledés, enquanto representação do movimento negro brasileiro, é garantir que esses assuntos não sejam discutidos sem incluir mais uma vez a maioria da população brasileira, que é a população afrodescendente. E também trazendo esse olhar com maior especificidade para as mulheres, porque a gente discute raça e gênero. Entendemos que esse binômio não pode ser dissociado da discussão de desenvolvimento sustentável, do posicionamento do governo brasileiro, do Estado brasileiro, frente a essas questões. O panorama geral do que a gente pretende apresentar e, acho que mais do que apresentar, reivindicar hoje nesse espaço é a assunção desse compromisso concreto com o enfrentamento das desigualdades – do racismo, do sexismo –, de todas as desigualdades que estruturam a nossa sociedade desse modo e impossibilitam que algumas pessoas, alguns grupos sociais tenham acesso aos seus direitos básicos, ao bem viver e a tudo que a gente espera para uma sociedade realmente justa, desenvolvida e sustentável."

Leticia Leobet

 

Vontade política para o desenvolvimento sustentável

"Há múltiplos desafios [para o desenvolvimento sustentável e socialmente inclusivo]. Um dos principais, creio, é que para poder ter um modelo de desenvolvimento sustentável tem que ter crescimento econômico, tem que ter capacidade de gerar emprego, emprego que seja decente, tem que ter padrões ambientais suficientemente adequados e tem que ter vontade política. O país, e, claro que também a nível de planeta. Creio que há modelos que podem servir de exemplo. Creio que há experiências positivas e creio que o que tem faltado muitas vezes é vontade política. Porque quando há vontade política, se encontra uma maneira. Em inglês se diz: “When there is a will, there is a way”. E creio que isso é fundamental: que exista a vontade política dos membros das Nações Unidas para que sigamos juntos porque a ideia não é que um país possa se desenvolver sustentavelmente e o resto não. Temos que fazer um esforço conjunto, temos que apoiar aqueles países que estão em piores condições econômicas, com altas dívidas externas, que não lhes possibilitam efetivamente usar os recursos que geram para que a população tenha uma vida melhor e mais justa e também para tomar as medidas de mitigação e adaptação necessárias para o meio ambiente. São múltiplos desafios, mas creio que os desafios também abrem oportunidades e que é necessário que os países, com as comunidades, acelerem os esforços para que isso seja uma realidade a mais curto prazo."

Michelle Bachelet

 

Governança inclusiva para um futuro mais promissor

"Foi muito rica essa discussão. Foi um dos painéis em que eu, particularmente, aprendi muito. Mais do que aprender, dá a noção de que o país está alerta. Nós tivemos representantes de ministérios, então você vê que existe uma preocupação. Não é simplesmente dizer o que o governo está fazendo, mas é identificar os desafios e as oportunidades que esses elementos trazem. Ver que o país está indo numa direção que vai permitir com que a gente assegure mais um desenvolvimento sustentável. Enormes desafios para a gente superar. A questão racial foi forte dentro dessa discussão, mas eu diria também que não é só isso. É a questão da inclusão dos jovens, a inclusão das mulheres, nos diálogos e chamada a atenção com relação também à inclusão dos povos indígenas e seus conhecimentos, assim como os conhecimentos dos povos tradicionais. Ou seja, foi muito falado de governança inclusiva para facilitar essas mudanças tão importantes que a gente tem que ter para ter um país mais eficiente, mais eficaz e com um futuro muito mais promissor."

Thelma Krug

 

É preciso pensar o Estado para se preparar para os desafios do futuro

"Acho que a gente está atendendo um desses desafios [atuais para a promoção de um modelo de desenvolvimento mais sustentável e socialmente justo], e um desses desafios é de não ter suficiente apoio do setor financeiro pelas soluções que a gente precisa. Então o banco BNDES está liderando, iluminando o caminho. Eu gostaria de parabenizar, mas também de identificar a crise climática como um dos desafios que eu como ilhéus, eu sou de Barbados, que eu considero um desafio totalmente imprescindível a solucionar.

Eu acho também que o Brasil teve muita visão em colocar a fome e a pobreza como desafios mundiais a serem solucionados e o lançamento também, o presidente Lula lançou hoje, a aliança global contra a fome e a desigualdade etc.

Eu acho que também uma das coisas que constituem um grande desafio é a separação entre as pessoas – pequeno país aqui, africano lá, asiático lá, não sei qual grupo... – e mais uma vez o Brasil, eu estando aqui sou testemunha disso, o Brasil está criando espaço para outras vozes entrarem no processo de achar soluções boas para esses desafios. A gente pode ficar falando de desafio, desafio, desafio... mas eu gosto de agradecer todos os organismos, organizações, pessoas, países, líderes que estão pensando em soluções.

[...]

A gente trabalha em Estado, vive em Estado, pertence a Estado, o Estado é para mim o tudo. Tem poucas pessoas que podem sobreviver e ter uma vida digna sem a participação e a determinação do Estado. Então, o Estado para mim, é a entidade que precisa mais se pensar e se curar e se preparar para os desafios do futuro. O Estado precisa ser autocrítico e também ter confiança em ele mesmo para poder enfrentar o que está vindo. Para mim, a importância de pensar o Estado é fundamental e pensar o Estado do futuro realmente é a única coisa. Se não estivermos pensando o Estado do futuro, o que estamos fazendo hoje?"

Tonika Sealy-Thompson

 

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