Como medir o potencial de competitividade de uma indústria?
Ao descrever a metodologia empregada no Estudo da Diversificação da Indústria Química, desenvolvido pelo consórcio Bain & Gas Energy e financiado com recursos do Fundo de Estruturação de Projetos (FEP) do BNDES, artigo publicado no BNDES Setorial 47 relata um processo que pode ser útil para futuros estudos da competitividade de indústrias no país.
O trabalho contribui para que o conhecimento sobre a aplicação prática do modelo possa ser utilizado por acadêmicos, consultores, empresários, investidores, financiadores e agentes do poder público interessados em empreender estudos semelhantes, que proporcionem diagnósticos robustos e pontos de partida para planos de atuação efetivos para as indústrias, nos quais o país tenha reais chances de alcançar sucesso na competição internacional.
Diversificação da indústria química no Brasil
Em 2010, com a consolidação da indústria de petroquímicos básicos no país, iniciaram-se discussões sobre alternativas de diversificação da indústria química no Brasil. A observação empírica de que as especialidades químicas tendiam a ser mais rentáveis no longo prazo, confirmada pela saída de diversas empresas globais do segmento de produtos químicos básicos, indicava que o Brasil deveria buscar alternativas de diversificação para a indústria, muito concentrada em commodities.
Diante disso, o BNDES se propôs a financiar um estudo que identificasse e sinalizasse oportunidades de investimentos destinados à diversificação da indústria química brasileira em segmentos tanto de maior potencial de competitividade como de maiores valores agregados. Entre seus objetivos, também estavam incluídas as propostas de políticas públicas voltadas a aspectos específicos da indústria, evitando-se, sempre que possível, as questões comuns a outros setores no país, muitas vezes de cunho macroeconômico, como os desafios que o país enfrentava nos campos de tributação, juros, câmbio, inflação etc.
O principal desafio de um esforço dessa natureza consiste em determinar os fatores que geram competitividade e estabelecer uma hierarquização entre eles, medindo e comparando variáveis distintas. No caso da indústria química, a questão estava, por exemplo, em como comparar um segmento que tem ampla disponibilidade de insumos (um fator crítico de sucesso em mercados como os de commodities químicas), mas um mercado local limitado, com outro segmento que não tem insumos com custos competitivos, mas dispõe de um mercado local grande e dinâmico (um fator determinante de sucesso em segmentos de especialidades, como o de cosméticos).
Para lidar com essa questão, o estudo se baseou em duas características: (i) fundamentação em conceitos e metodologias sólidas, o que foi proporcionado tanto pelo modelo do Diamante Competitivo de Porter como pela técnica da análise multicritério; e (ii) amplo engajamento e participação da sociedade, obtido por meio de entrevistas, pesquisas e seminários que envolveram representantes da indústria, da academia, de associações industriais e de órgãos governamentais das esferas federal e estadual.
As bases para a construção do estudo
O modelo do Diamante Competitivo, proposto por Michael Porter, busca explicar por que algumas indústrias tornam-se competitivas em determinados países, ao enfatizar as fontes de vantagens de seu contexto nacional de origem. Ele é resultado de um amplo estudo de padrões de competitividade entre nações industrializadas (PORTER, 1990), que foi desenvolvido no âmbito do esforço americano para melhorar sua capacidade competitiva nos anos 1980.
Segundo o autor, as condições locais de um país que proporcionariam o potencial para o sucesso de indústrias específicas no local e em mercados internacionais poderiam ser organizadas em quatro pilares:
• Condições dos fatores – a posição do país em fatores básicos de produção, como mão de obra, terra, recursos naturais, capitais e infraestrutura, e até em fatores mais avançados, como conhecimentos, tecnologias e infraestrutura específica.
• Condições de demanda – a natureza da demanda do mercado local quanto a tamanho (que seja capaz de proporcionar economias de escala, por exemplo), crescimento e sofisticação, um importante estímulo para as empresas inovarem continuamente.
• Estratégia, estrutura e rivalidade – as condições locais em que as empresas são criadas, organizadas e administradas, incluindo a natureza e a intensidade da rivalidade entre elas.
• Indústrias relacionadas e suporte – a presença de fornecedores internacionalmente competitivos, incluindo aqueles de recursos específicos, como equipamentos, componentes e serviços, necessários aos processos operacionais e de inovação, assim como de indústrias relacionadas por tecnologias comuns, associações comerciais, centros de pesquisas e universidades.
Adicionalmente, duas variáveis poderiam ser destacadas: o papel do governo, que pode influenciar indiretamente os quatros pilares; e o papel do acaso, que contempla oportunidades advindas de descontinuidades tecnológicas, eventos geopolíticos, mudanças regulatórias e alterações no comportamento dos indivíduos.
Análise multicritério
Um desafio na utilização prática desse modelo reside na complexidade da mensuração da competitividade e de seus constituintes, de maneira a permitir uma hierarquia dos diferentes potenciais de competitividade de segmentos e indústrias, identificando prioridades de ação (tanto pública como privada) no ambiente de negócios de um país.
Para dar conta dessa dificuldade, o trabalho adotou também a técnica da análise multicritério, uma subdisciplina de pesquisa operacional que avalia explicitamente critérios conflitantes ou com medidas diferentes e que compõe uma decisão (ou resultado). Várias abordagens e métodos de análise multicritério estão disponíveis para diversos campos de decisão, não apenas para a área de negócios, mas também para outras, como políticas públicas e meio ambiente, frequentemente apoiadas por softwares de tomada de decisão especializada.
Resultados obtidos
O resultado final do esforço de identificação dos segmentos com maior potencial competitivo na indústria química brasileira foi expresso em um gráfico, o que ajuda a esclarecer quais elementos do ambiente precisariam ser aprimorados prioritariamente, de maneira a proporcionar melhoria na competitividade dos segmentos da indústria.
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Como exemplo, se a regulação for um critério relevante para a indústria (caso das especialidades de consumo, como os segmentos de cosméticos e dos defensivos agrícolas) e se a nota nesse critério for baixa, os esforços para redução de gargalos legais deverão proporcionar as melhorias mais significativas. As análises dos segmentos, conduzidas tanto por meio das entrevistas como pela análise dos relató¬rios, também tenderam a abordar tais fatores críticos e possíveis soluções. Além disso, a observação do ranking ajuda a comunicar, para a socieda¬de, onde estão as melhores oportunidades de investimento.
A gradação sugerida pelo ranking, porém, deve ser vista cuidadosa¬mente, uma vez que há expressivas interligações entre os elementos do modelo. Um caso possível seria a melhoria no ambiente regulatório de um segmento, a qual resultasse na atração de investimentos, que, por sua vez, provocasse o aumento da oferta de produtos, induzindo reduções de preços, crescimento da demanda, intensificação da rivalidade e desenvolvimento de novas cadeias de suprimentos locais. Isso levaria a um círculo virtuoso para um segmento que aparentava ter diversas limitações.
Leia mais no artigo Competitividade industrial: a metodologia do estudo do potencial de diversificação da indústria química brasileira de Martim Francisco de Oliveira e Silva Felipe dos Santos Pereira, publicado no BNDES Setorial 47.