Big push ambiental: entrevista com Camila Gramkow
Em evento promovido pelo BNDES, pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) e pela Fundação Friedrich Ebert Stiftung (FES), nesta segunda-feira, 5 de junho, especialistas discutem caminhos e estratégias para destravar a transição social e ecológica no Brasil e na América Latina.
Para saber mais sobre o conceito de big push ambiental, conversamos com a economista Camila Gramkow, da Cepal, que coordenou o relatório “Financiando o Big Push: caminhos para destravar a transição social e ecológica no Brasil”, divulgado durante o evento.
Na entrevista, além de detalhar as premissas do “grande impulso para a sustentabilidade”, ela aponta como os países latino-americanos e caribenhos podem se beneficiar dessa estratégia para promover um novo estilo de desenvolvimento, que associe a transição para economia verde à redução das desigualdades sociais.
Confira no próximo post uma entrevista sobre financiamento do big push ambiental, com Gabriel Aidar e Flávia Moraes.
ENTREVISTA
O conceito de big push, formulado nos anos 1950, pressupõe que é preciso um esforço coordenado e substancial de investimento para promover um salto efetivo de desenvolvimento. Como ele se aplica ao cenário atual de transição para a economia verde, dando origem ao big push ambiental?
Camila Gramkow: O big push para a sustentabilidade é uma abordagem que a Cepal vem desenvolvendo para apoiar os países latino-americanos e caribenhos a construir um modelo ou estilo de desenvolvimento produtivo, inclusivo e sustentável. Essa formulação é inspirada na teoria clássica do desenvolvimento, de Paul Rosenstein-Rodan, ancorada fortemente na ideia de que para se ter uma mudança de desenvolvimento é preciso um big push, um grande impulso de investimentos transformadores desse estilo de desenvolvimento.
A gente tem buscado adaptar ou atualizar essa ideia à luz das evidências científicas, especialmente dos últimos relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), que sublinham que é necessário mobilizar um grande volume de investimentos em todos os setores da economia para que, realmente, seja possível estabilizar ou controlar as mudanças climáticas. Então, a gente busca entender até que ponto esses investimentos de baixo carbono, sustentáveis, podem ser propulsores de um novo ciclo de crescimento econômico e de geração de emprego e renda. Buscamos também entender quais são os investimentos complementares, ou seja, a gente olha não apenas para os investimentos de baixo carbono em si, mas também investimentos principalmente em ciência e tecnologia, inovação, educação e em outras áreas fundamentais para que a gente possa maximizar os ganhos socioeconômicos, para além dos ganhos ambientais, de toda essa transição ecológica ou de baixo carbono.
Diversos países vêm formulando estratégias para promover a transição energética e lidar com a questão das mudanças climáticas. No caso de países em desenvolvimento, como o Brasil, que aspectos devem ser observados na formulação desse tipo de estratégia?
Camila Gramkow: Em relação ao contexto atual, temos monitorado e observado que diversas economias em todo o mundo – tanto economias avançadas como China, Coreia, Japão, Alemanha, EUA, mas também economias emergentes e em desenvolvimento, aqui na América Latina, por exemplo, Chile e Costa Rica – têm apostado em estratégias verdes de recuperação pós-pandemia. Temos observado que esses países têm não apenas adotado estímulos fiscais verdes, incentivos para estimular atividades produtivas verdes, mas também políticas industriais verdes. Esse é o grande elo entre a transição de baixo carbono, com todos os benefícios ambientais que ela traz, e o tema do desenvolvimento produtivo, ou seja, da capacidade de produzir no território essas soluções verdes e, portanto, traduzir esses investimentos em empregos, renda e em arrecadação gerados no território. Então, vemos esse momento como estratégico. Um momento de reposicionamento dos países em relação a essas agendas e, talvez pela primeira vez na história, um momento em que a agenda climática é colocada não como obstáculo, mas como propulsora da reativação econômica e do desenvolvimento dos países.
Quais seriam os pilares da estratégia de big push ambiental que a Cepal vislumbra para os países da América Latina e Caribe? Como você considera que isso vem evoluindo nos últimos anos?
Camila Gramkow: No caso dos países latino-americanos e caribenhos e do Brasil em particular, o grande impulso para a sustentabilidade representa uma grande oportunidade para o reposicionamento dos países em termos de desenvolvimento e do seu papel em termos de inserção externa. O Brasil é um país de imensas riquezas naturais, com enorme potencial de desenvolvimento e liderança em muitas áreas verdes, notadamente em energias renováveis, bioeconomia, soluções industriais para agricultura sustentável, mobilidade sustentável, entre outras. Mas, para que o Brasil possa exercer esse papel de protagonista – e conforme enfatizamos na abordagem do big push para a sustentabilidade – coloca-se o desafio central que é a coordenação, no sentido do alinhamento das diferentes políticas, da governança e dos atores.
O Estado é o ator natural para liderar esse processo de coordenação e por isso tem um papel estratégico. Nesse sentido, entre os desafios colocados para o Brasil e para os países da América Latina, está a questão de criar as condições para que o Estado possa exercer esse papel coordenador de políticas públicas de financiamento, visando uma ampla mobilização de recursos para investimentos verdes e transformadores no espírito almejado pelo big push para a sustentabilidade. Esses são desafios que diversos países da região compartilham e que requerem políticas e respostas inteligentes, como aquelas que nós propomos no estudo lançado no evento (acesse aqui).
Em suma, o big push para sustentabilidade é uma agenda de desenvolvimento em que a gente busca entender e construir propostas e recomendações de políticas públicas que tenham essa visão integrada ou indissociável entre agenda climática e agenda de desenvolvimento.
Os conteúdos apresentados em entrevistas e artigos assinados não refletem, necessariamente, a visão do BNDES.
Camila Gramkow é doutora em Economia da Mudança Climática pela Universidade de East Anglia, Inglaterra; mestre em Economia pelo Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e formada em Economia pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, é Oficial de Assuntos Econômicos no Escritório do Brasil da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) das Nações Unidas.
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