Bancos de desenvolvimento e melhores práticas
Edição n. 3/2023
Principalmente em momentos de troca de governo, com mudança de orientação política, o papel do BNDES volta a ser debatido mais intensamente. A discussão muitas vezes acaba ignorando evidências empíricas e experiências internacionais. Nesse contexto, cabe indagar o que nos mostram as práticas dos maiores bancos de desenvolvimento (BD) do mundo? Que lições o Brasil pode extrair dessas experiências?
É importante pontuar que BDs existem em quase todos os países, somando mais de quinhentas instituições ao redor do mundo. Eles atuam sobretudo em setores e segmentos não atendidos pelo mercado de crédito de longo prazo, como infraestrutura, micro, pequenas e médias empresas (MPME), exportação, inovação e economia verde.
Com base na análise de estatutos e relatórios anuais de 11 instituições de desenvolvimento de diferentes países – desenvolvidos e emergentes –, este estudo constata que todas contam com algum tipo de benefício direto ou indireto, de forma a equilibrar suas necessidades financeiras com o apoio a segmentos fundamentais para o desenvolvimento econômico, mas que envolvem riscos em que o setor privado não está disposto a incorrer. A tabela a seguir sintetiza os resultados.
Fonte: Estatutos, apresentações e relatórios institucionais das instituições (ver Referências).
Em relação aos benefícios indiretos, na amostra analisada, temos três instituições que não pagam dividendos (KfW, British Business Bank e Vnesheconombank) e nenhuma sujeita a política de dividendo mínimo obrigatório, exceto o BNDES. Quatro dessas instituições não recolhem impostos sobre os lucros (KfW, Vnesheconombank, Japan Finance Corporation e Business Development Bank of Canada) e todas têm garantia total ou parcial do Estado sobre o seu passivo, novamente com exceção do BNDES. O Korea Development Bank (KDB), por exemplo, emite títulos relacionados à política industrial com garantia do governo prevista no estatuto e, em caso de prejuízo e insuficiência de reservas, conta também com compensação do saldo negativo.
No que se refere aos benefícios diretos, nove instituições têm acesso a recursos parafiscais, ainda que a maior parte dos bancos em países desenvolvidos consiga se financiar com emissão de títulos. No caso do China Development Bank (CDB) e da Nacional Financiera do México (NAFIN) não foram encontradas evidências do uso desse tipo de recurso, mas ambos receberam injeções de capital do governo, em 2014 e 2019 respectivamente.1
O banco de desenvolvimento alemão KfW, considerado um dos principais benchmarks dado seu porte e atuação semelhante, conta tanto com benefícios diretos quanto indiretos, usufruindo do mesmo status legal do banco central alemão. Além de não pagar impostos nem dividendos, o KfW tem garantia soberana para os títulos que emite, o que reduz seu custo de captação. Como benefício direto, a instituição recebe recursos do orçamento para programas específicos, como o KfW Special Programme, e para atuar como agência de desenvolvimento internacional.
A Japan Finance Corporation (JFC), instituição de desenvolvimento japonesa, além de estar enquadrada constitucionalmente como companhia de interesse público – sendo, por isso, isenta do pagamento de impostos –, conta com garantia estatal explícita nas suas obrigações e recebe recursos fiscais diretos e de fundos para suas operações. O Business Development Bank of Canada, por ser considerado um agente da coroa, também é isento de imposto sobre o lucro.
Como características gerais dos BDs da amostra analisada, destacam-se a ausência de dividendo mínimo obrigatório a ser pago aos governos e a existência de garantia estatal explícita nas obrigações das instituições. No caso da política de dividendos, em geral os estatutos dos BDs não estabelecem um limite mínimo para a destinação do lucro, deixando a decisão final a cargo dos dirigentes dos bancos e órgãos governamentais vinculados, o que reflete o grau estratégico dessas instituições para as políticas de desenvolvimento nacionais.
Em síntese, existem vários benefícios diretos e indiretos que podem ser concedidos aos BDs como forma de direcionar e fortalecer suas atuações e capacidades institucionais. A partir da comparação realizada, constata-se que o BNDES é a única instituição que não conta com nenhum benefício indireto para cumprir seu papel de banco de desenvolvimento, uma vez que distribui dividendos mínimos obrigatórios ao seu acionista controlador, recolhe impostos e contribuições sociais, e não tem garantias estatais explícitas em suas obrigações. O debate sobre o papel do BNDES passa por considerar as melhores práticas adotadas por instituições similares de outros países, permitindo que o Banco possa cumprir seu papel estratégico na promoção do desenvolvimento sustentável do país.
1 Ver: NAFIN (2020) e CDB (2017)
Referências
BPI FRANCE. Presentation to debt investors: BpiFrance, bond issuer, 2022.
BRITISH BUSINESS BANK. Supporting sustainable recovery across the UK. Annual Report and Accounts 2022.
BUSINESS DEVELOPMENT BANK OF CANADA. Business Development Bank Of Canada Act, 2023.
CAMARA DE DIPUTADOS DEL H. CONGRESO DE LA UNIÓN. Ley Orgánica de Nacional Financiera, 2014.
CASSA DEPOSITI E PRESTITI – CDP. Half-Yearly financial report 2022.
CHINA DEVELOPMENT BANK. 2022 Annual Report.
GOBIERNO DE ESPAÑA – MINISTERIO DE LA PRESIDENCIA, RELACIONES CON LAS CORTES Y MEMORIA DEMOCRÁTICA. Real Decreto 706/1999, de 30 de abril, de adaptación del Instituto de Crédito Oficial a la Ley 6/1997, de 14 de abril, de organización y funcionamiento de la Administración General del Estado y de aprobación de sus Estatutos.
INSTITUTO DE CRÉDITO OFICIAL – ICO. Investor Presentation July 2023.
JAPAN FINANCE CORPORATION. Japan Finance Corporation Annual Report 2022.
MINISTRY OF JUSTICE JAPAN. Japan Corporation Tax Act (Act No. 34 of March 31, 1965).
KFW GROUP. Law Cocerning Kreditanstalt für Wiederaufbau.
KFW GROUP. KfW Special Programme extended until the end of the year – Ceilings for maximum loan amounts raised. Press release from 2021-03-25.
THE KOREAN LAW INFORMATION CENTER. Korea Development Bank Act (Act. No. 14122, 29 mar. 2016).
U.S. SECURITIES AND EXCHANGE COMMISSION. The Japan Finance Corporation Act (Act. No. 57 of 2007).
VEB.RF. State Development Corporation VEB.RF (“VEB.RF”).
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