A difusão da agenda ESG no mundo e no Brasil
A adoção de critérios ambientais, sociais e de governança (ESG, do inglês “environment, social and governance”) para a avaliação de empresas e investimentos parece estar definitivamente incorporada na pauta das gestoras e bancos brasileiros.
A introdução de critérios ESG nas decisões de investimento pode ser entendida como uma ampliação do foco em shareholders (acionistas) para todos os stakeholders (partes interessadas). Com isso, as decisões de investimentos e concessão de crédito passam a levar em consideração o impacto destes em todas as partes interessadas – como funcionários, consumidores, fornecedores e comunidade – e não somente o lucro potencial para a instituição financeira e seus acionistas.
A mudança não é trivial, já que cada uma das dimensões ESG é composta por uma variedade de fatores. No critério ambiental estão presentes, entre outros, aspectos como emissão de carbono, consumo de água, geração de resíduos e desflorestamento. No critério social, condições de trabalho, políticas de inclusão e diversidade, segurança e impactos sobre a comunidade. No critério de governança, questões como programas anticorrupção, lobby político, estrutura e diversidade dos conselhos e colegiados, comunicação e transparência (Wongtrakool, 2018).
A evolução do investimento sustentável
O investimento ESG ou sustentável tem raízes no chamado “investimento ético”, que restringia o apoio a certos negócios (como bebidas alcoólicas, tabaco, jogos ou pornografia) por motivações morais ou religiosas. Com a evolução desse tipo de investimento, veio a valorização do conceito da empresa com ação social na comunidade (corporate philanthropy); depois, a empresa socialmente responsável (corporate social responsibility); em seguida, a empresa sustentável (sustainable companies) e, então, a empresa com o foco no valor compartilhado (shared value) – Rodrigues (2020). Por fim, chegou-se ao conceito de ESG, com a incorporação dos critérios de governança (DBG, 2012).
Mas como o ESG será diferente?
Uma primeira evidência de que os critérios ESG terão importância efetiva para a alocação de recursos na economia vem do fato de que o movimento ESG nasce dos próprios acionistas das empresas, e não em oposição a eles, como ocorrera no passado.
A escala atual do investimento ESG também é outro indício. Em 2016, quase nove mil companhias reportaram dados referentes a esses critérios, contra vinte firmas no início dos anos 1990. O Princípio de Investimento Responsável, que procura ampliar a incorporação de questões ESG na análise de investimentos, alcançou em 2016 a adesão de cerca de 1.400 gestores, responsáveis por ativos de cerca de US$ 60 trilhões (Amel-Zadeh e Serafeim, 2018).
Movimentos mais recentes, como o posicionamento da BlackRock, maior gestora de ativos do mundo, em favor de investimentos sustentáveis e o compromisso assumido por 181 CEOs de dirigir suas companhias em benefício de todos os stakeholders (Mayor, 2019), também atestam a importância atual do tema.
Desafios para a consolidação do investimento ESG
Apesar dos avanços na agenda ESG, apenas cerca de um quarto dos investidores profissionais incluem com alguma frequência informações não financeiras em suas decisões de investimento, e apenas 10% recebe treinamento formal em como incorporar critérios ESG em suas análises (Fried, Busch e Bassen, 2015).
Uma explicação para isso seria a percepção, por parte dos investidores profissionais, de que esses investimentos teriam menor rentabilidade. Riedl e Smeets (2017) argumentam que investidores socialmente responsáveis estariam dispostos a ter menor retorno ou pagar maior taxa de administração em fundos sustentáveis.
Uma das questões que pode afetar a rentabilidade de investimentos ESG é a estratégia de exclusão de certos negócios, que reduz a base de diversificação do portfólio e elimina ações potencialmente rentáveis. A inclusão de critérios não financeiros pode também gerar problemas de risco moral, no caso de gerentes que passam a utilizar o investimento responsável como mero álibi para perseguir agendas pessoais (Amel-Zadeh, 2018).
Por outro lado, é possível encontrar uma série de motivos para uma relação positiva entre investimento ESG e performance da empresa ou do portfólio, a começar pelas oportunidades e riscos decorrentes da existência de regulamentações e leis que visam defender o interesse dos diferentes stakeholders. Assim, por exemplo, uma carteira de investimentos mais concentrada em segmentos não poluidores ou que privilegie empresas com boas condições de trabalho estará menos sujeita à perda de valor decorrente de eventuais multas ambientais ou trabalhistas (Giese et al, 2019).
Para além do compliance com a regulação, é possível destacar também o impacto da reputação ou da satisfação dos empregados – decorrentes de incentivos ou da capacidade de companhias que adotam boas práticas de atrair melhores profissionais sem oferecer salários mais elevados – na produtividade das empresas. Há ainda evidências favoráveis de que critérios ESG estão associados à maior lealdade por parte dos consumidores e à mitigação de risco sistêmico, o que se reflete em menor custo de capital das empresas com melhores práticas (Amel-Zadeh, 2018).
Evidência empírica sobre o investimento ESG
A evidência empírica é favorável ao impacto dos investimentos ESG na performance das empresas. Fried, Busch e Bassen (2015) apresentam um apanhado bastante amplo da literatura, com base em 60 resenhas, cobrindo mais de 2 mil estudos empíricos realizados desde o início dos anos 1970 até 2014. O resultado geral é que cerca de 90% dos resultados são não-negativos, sendo que a proporção de resultados positivos chega a 62%.
No caso de estudos conduzidos em países emergentes, como o Brasil, os resultados encontrados pela literatura são particularmente positivos (cerca de 71%). Esse resultado está alinhado com as conclusões de El Ghoul, Guedhami e Kim (2016), que argumentam que iniciativas de responsabilidade social são particularmente vantajosas em países com instituições de mercado fracas, facilitando maior acesso a financiamento a firmas com melhores práticas.
Padronização dos conceitos
A sistematização dos critérios ESG também é um desafio. Um fato que chama atenção é que diferentes empresas de rating tendem a classificar as companhias de modo distinto. Berg, Koelber e Rigobon (2020), analisando seis empresas de rating ESG, com uma base comum de 924 firmas, encontram que a correlação média entre as avaliações emitidas é de apenas 54%, sendo essa correlação ainda mais reduzida na dimensão de governança (30%).
Os autores identificam três fontes de divergência: (i) de escopo, quando as empresas de rating levam em consideração atributos ESG distintos; (ii) de ponderação, quando certo atributo recebe pesos distintos dependendo da agência de classificação; e (iii) de medida, quando determinado atributo é avaliado de acordo com índices distintos (por exemplo, uma agência pode medir “qualidade do trabalho” de acordo com o grau de rotatividade, enquanto outra agência usa como índice a quantidade de reclamações trabalhistas contra a firma). Uma conclusão interessante desse estudo é que a maior parte das divergências é explicada por discrepâncias de medida (50,1%) e escopo (36,7%), sendo a importância do peso muito menor (13,2%).
A ampliação do interesse do mercado pelos critérios ESG – aliada ao esforço de regulação e normatização dos governos – deverá passar por maior uniformização dessas classificações, em um processo que pode ser demorado justamente pela dificuldade de conceitualização (Berg, Koelber e Rigobon, 2020).
Como o BNDES ajuda a disseminar os critérios ESG no Brasil
Como banco público de desenvolvimento, o BNDES tem um papel relevante na disseminação dos critérios ESG. Ao contribuir para mapear o que as empresas brasileiras estão fazendo em termos de ESG e, em parceria com outros órgãos públicos, tentar avançar no processo de padronização dessas informações, o Banco pode induzir a expansão dos investimentos sustentáveis.
Além disso, o BNDES pode captar recursos no mercado com investidores interessados nessa agenda, para aplicação em projetos com retorno social e ambiental elevado e com boa governança. Nesse caso, como os critérios de qualificação ESG ainda não são consolidados no mercado, é preciso robustez na metodologia e nas premissas para estabelecê-los.
Histórico recente do BNDES com os temas ambiental, social e de governança
A primeira unidade do BNDES dedicada a meio ambiente foi criada em 1989. Hoje, o Banco conta com diversas unidades dedicadas ao tema ESG, reforçando a importância transversal dada ao tema pela instituição. A criação recente de um subcomitê para temas ESG no Conselho de Administração do BNDES é mais um passo no aprimoramento de sua estrutura de governança
Ao longo dos anos o BNDES foi aperfeiçoando sua gestão no tema, desde a criação de sua primeira política ambiental, em 1999, até o desenvolvimento de uma série de regulamentos e normativos específicos, que passam por procedimentos para apoio financeiro, compras sustentáveis, transparência e ética.
No que se refere à influência do BNDES para disseminação de práticas ESG, existem pelo menos dois estudos que encontram evidências positivas sobre a contribuição do BNDES para a melhoria da governança das empresas investidas (Pereira, 2010; Zorman, 2012), no âmbito de sua atuação com participações.
Por meio de parcerias com instituições como a International Finance Corporation (IFC), do grupo Banco Mundial, o BNDES capacitou sua equipe técnica na aplicação dos padrões de desempenho socioambientais, tornou-se apto a captar recursos do Green Climate Fund (GFC) e construiu uma nova metodologia para classificação do risco socioambiental (ABC) dos projetos apoiados, alinhada às melhores práticas internacionais. Além disso, a atuação conjunta com o UK Prosperity Fund tem possibilitado o desenvolvimento de uma série de ações que buscam fortalecer o Sistema de Gestão Socioambiental do Banco e a estruturação de novas soluções financeiras verdes. Essa parceria ocorre no âmbito do Green Finance Program.
Do ponto de vista de suas entregas para a sociedade, o Banco oferece condições diferenciadas para investimentos sustentáveis ou que colaborem para a transição para uma economia de baixo carbono. Com este movimento, que já ocorre há vários anos, foi reconhecido pela Bloomberg como o principal financiador de energia limpa do mundo no período 2004-2018 e é pioneiro no tema das finanças verdes, tendo sido a primeira entidade financeira brasileira a emitir green bonds no mercado internacional.
A atuação da instituição no tema ambiental passa ainda pela gestão do Fundo Amazônia, referência na captação de recursos externos, com boa governança e elevado impacto sobre a redução do desmatamento (ver Barboza et al, 2020), e de recursos reembolsáveis do Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (Fundo Clima).
O BNDES também se faz presente em investimento social de impacto, como por exemplo por meio do Fundo Social, que somente no programa de cisternas, liberou mais de R$ 360 milhões para reduzir a vulnerabilidade alimentar de famílias na região do semiárido em 286 municípios, de nove estados.
Por fim, as contribuições do BNDES para o alcance dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) estabelecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU) podem ser verificadas pelo alinhamento das entregas para a sociedade previstas em seu Planejamento Estratégico Trienal e pela transparência de sua atuação, com a divulgação de desembolsos distribuídos por estado e por ODS.
Essas são só algumas das ações do BNDES relacionadas ao tema. Ao passo que os investidores internacionais passam a demandar mais contrapartidas ESG em seus investimentos, o BNDES assume posição estratégica para difusão dessa agenda no Brasil, com base em uma carteira de crédito com grande participação de projetos sustentáveis na temática socioambiental.
*Sobre os autores:
- Antônio Marcos Ambrozio, economista da Área de Planejamento Estratégico do BNDES
- Ricardo de Menezes Barboza, economista e gerente da Área de Planejamento Estratégico do BNDES
- Bruna Casotti, economista e chefe de departamento da Área de Indústria, Serviços e Comércio Exterior do BNDES
- Nabil Moura Kadri, administrador e chefe de departamento da Área de Gestão Pública e Socioambiental do BNDES
- Luciana Capanema, engenheira e chefe de departamento da Área de Planejamento Estratégico do BNDES
- Gabriel Ervilha, economista e chefe de departamento da Diretoria de Finanças do BNDES
Referências
Amel-Zadeh, A.; “Social responsibility in capital markets: A review and framework of theory and empirical evidence”; mimeo, 2018.
Amel-Zadeh, A.; Serafeim, G.; “Why and how investors use ESG information: Evidence from a global survey”; Financial Analysts Journal, 74(3), p. 1-17, 2018.
Barboza, R. M. et al. O que aprendemos sobre o BNDES? Rio de Janeiro: BNDES, 2020. 65 p. (Textos para discussão nº 149).
Berg, F.; Koelber, J.; Rigobon, R.; “Aggregate confusion: The divergence of ESG ratings”; MIT Sloan School Working Paper, 2020.
Deutsche Bank Group (DBG); “Sustainable investing”, 2012.
El Ghoul, S.; Guedhami, O.; Kim, Y.; “Country-level institutions, firm value, and the role of corporate social responsibility initiatives”; Journal of International Business Studies, 2016.
Fried, G.; Busch, T.; Bassen, A.; “ESG and financial performance: Aggregated evidence from more than 2000 empirical studies”; Journal of Sustainable Finance & Investment, 2015.
Giese, G.; Lee, L.; Melas, D.; Nagy, Z.; Nishikawa, L.; “Foundations of ESG investing: How ESG affects equity, valuation, risk and performance”; The Journal of Portfolio Management, 45(5), p. 69-83, 2019.
Mayor, T.; “Impact investing is hot right now. Here’s why”; MIT Sloan School of Management Report, 2019.
Riedl, A.; Smeets, P.; “Why do investors hold socially responsible mutual funds?”; Journal of Finance, 72(6), p. 2505-2550, 2017.
Rodrigues, M. C. P. (2020). Critérios ESG – mais um modismo? Disponível em: https://estrategiasocial.com.br/criterios-asg-mais-um-modismo/
Wongtrakool, B.; ”ESG essentials: What you need to know about environmental, social and governance investing”; Western Asset report, 2018.
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