Projeto de valorização da Pequena África seleciona 11 projetos culturais que dividirão R$ 5 milhões
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(Participação: Conceição Evaristo - escritora)
- Viabilizada pelo BNDES e pelo Consórcio Viva Pequena África, iniciativa preserva memória afro-brasileira e fortalece organizações culturais negras
- Iniciativas contempladas receberão entre R$ 308,7 mil e R$ 500 mil, além de ciclo formativo em gestão e governança
- Casa Escrevivência, Casa de Tia Ciata e Instituto Entre o Céu e a Favela lideram a lista de projetos selecionados
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o Consórcio Viva Pequena África apresentaram nesta terça-feira, 16, em cerimônia realizada na região do Cais do Valongo, no Rio, o resultado do edital Viva Pequena África. Foram selecionados 11 projetos culturais que serão contemplados com aproximadamente R$ 5 milhões do Banco e de instituições apoiadoras (Open Society Foundation, Ford Foundation, Instituto Ibirapitanga e Fundação Itaú).
As primeiras posições ficaram com projetos propostos respectivamente pela Casa Escrevivência, pela Casa de Tia Ciata e pelo Instituto Entre o Céu e a Favela. Os selecionados contribuirão para a preservação e valorização da memória e herança africanas na região da Pequena África. Ao mesmo tempo, o edital garante investimento direto que fortalece manifestações culturais e organizações negras.
Pedra do Sal, monumento histórico e religioso localizado na Pequena África
Foto: André Matheus/Galo Previdência
A seleção foi conduzida pelo Consórcio Viva Pequena África, formado pelo Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (Ceap), Diáspora.Black e Feira Preta. O consórcio se tornou o parceiro gestor do edital após ter sido selecionado em chamada pública realizada em 2023 pelo BNDES.
Patrimônio histórico-cultural afro-brasileiro – Localizada na zona portuária do Rio de Janeiro, a Pequena África é marcada por sua relevância histórica na formação da identidade cultural afro-brasileira. A região abriga o sítio arqueológico do Cais do Valongo, principal ponto de desembarque de africanos escravizados nas Américas, reconhecido desde 2017 como Patrimônio Mundial pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
Cais do Valongo se tornou patrimônio da Unesco em 2017
Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
Na última sexta-feira, 12, se tornou também patrimônio histórico-cultural afro-brasileiro após o presidente Luíz Inácio Lula da Silva sancionar a Lei Federal 15.203/2025. A região da Pequena África conta ainda com o Largo da Prainha, o Museu da História e Cultura Afro-Brasileira, a Pedra do Sal, o Cemitério dos Pretos Novos e a Casa da Tia Ciata, entre outros marcos.
A cerimônia de apresentação dos resultados aconteceu no antigo Armazém Docas Pedro II, prédio histórico localizado em frente ao Cais do Valongo. O evento contou com a presença do presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, e de representantes do Consórcio Viva Pequena África e das instituições apoiadoras.
Aloizio Mercadante, presidente do BNDES
Foto: André Telles/BNDES
“Com este edital, o BNDES reafirma seu compromisso com a valorização da memória e da cultura afro-brasileira. A Pequena África é um território de resistência e de criação, e apoiar essas iniciativas significa reconhecer a importância histórica desse espaço e, ao mesmo tempo, impulsionar a economia criativa, a geração de renda e o fortalecimento das organizações negras”, afirmou o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante.
Para Gilberto Alves, diretor-executivo do Consórcio Viva Pequena África, a iniciativa servirá de referência para ações em outros territórios espalhados pelo Brasil. “É um marco na história da resistência negra no Brasil, com recursos destinados para projetos que visam fortalecer pessoas negras, organizações e o território da Pequena África. Sem dúvida, é uma oportunidade ímpar no panorama cultural brasileiro”.
Gilberto Alves, diretor-executivo do Consórcio Pequena África
Foto: André Telles/BNDES
Selecionados – A seleção dos projetos levou em conta seis critérios: relevância, impacto social, tradição e trajetória, maturidade organizacional, viabilidade técnica e poder de articulação. O posto de primeiro lugar ficou com a Casa Escrevivência, espaço cultural lançado pela escritora Conceição Evaristo em 2023. O local, situado no Largo da Prainha, abriga todo o seu acervo literário.
“Estamos falando de um patrimônio escrito, de um patrimônio bibliográfico, que sem sombra de dúvida se soma a outras memórias que estão implantadas na região como a memória da música, do samba, da culinária. Nós chegamos trazendo essa memória escrita”, explica Conceição Evaristo. Segundo ela, o edital viabiliza concluir a implantação do projeto. “Teremos condições de trabalhar com treinamento de professores, de trabalhar com a comunidade do entorno”.
Conceição Evaristo, escritora
Foto: André Telles/BNDES
Na segunda posição, aparece o projeto Caminhos da Tia Ciata, voltado para a promoção de saberes afro-brasileiros através de oficinas, rodas de conversa e vivências, incluindo culinária ancestral, samba e capoeira. A valorização da memória da Tia Ciata, figura central na história do samba e da cultura negra no Rio de Janeiro, estrutura as atividades envolvidas.
“Ao longo de doze meses, vamos realizar uma série de ações voltadas a escolas, comunidades e o público geral”, explica Gracy Mary Moreira, presidente da Casa de Tia Ciata, organização proponente do projeto. “Acreditamos que a cultura transforma, educa e constrói pontes. Queremos deixar um legado institucional duradouro fortalecendo o papel da Casa de Tia Ciata como referência na preservação da memória afro-brasileira”.
Casa de Tia Ciata
Foto: André Matheus/Galo Providência
O terceiro lugar foi o projeto do Instituto Entre o Céu e a Favela, fundado há 13 anos no Morro da Providência, comunidade situada na região da Pequena África. A organização atua focada na capacitação profissional, na qualificação de educadores e na promoção de educação, esporte e cultura para os moradores. A iniciativa contemplada prevê um intercâmbio onde parte da equipe e crianças de um grupo de teatro poderão vivenciar um período em Benin, na África.
Segundo Cíntia Santana, fundadora e presidente do instituto, o projeto busca valorizar a memória e promover o letramento racial. Ela defende a importância de se ampliar o conhecimento sobre a história da Pequena África. “A partir desse intercâmbio, irá surgir um livro de trocas pedagógicas que a gente poderá usar em outras favelas. A gente entende que o Entre o Céu e a Favela entrará em uma nova fase, com mais consciência e mais focado na questão histórica”.
Os demais contemplados (lista abaixo) englobam iniciativas variadas envolvendo preservação da memória, qualificação profissional, promoção da educação e da cultura e inclusão digital. Os projetos selecionados receberão apoios que variam entre R$ 308,7 mil e R$ 500 mil. Além disso, serão contemplados com um ciclo formativo exclusivo para potencializar a gestão institucional das iniciativas propostas. Com início em setembro, o cronograma estabelece 16 encontros presenciais sobre gestão, captação de recursos, comunicação e governança.
Plano de Ação – O edital integra a Iniciativa Valongo, um plano de ação lançado pelo BNDES em maio de 2023 com o objetivo de requalificar a Pequena África e o entorno do sítio arqueológico Cais do Valongo e de promover o desenvolvimento das pessoas e organizações do território. O plano é acompanhado por um Grupo de Trabalho Interministerial formado pelos ministérios da Igualdade Racial (MIR), da Cultura (MinC), dos Direitos Humanos e Cidadania (MDH). A Fundação Palmares e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), instituições vinculadas ao MinC, também participam do acompanhamento.
Em outra ação associada à Iniciativa Valongo, o BNDES premiou, em junho desse ano, três projetos liderados por arquitetos e urbanistas negros com foco em patrimônio, cultura e mobilidade urbana. As ideias apresentadas poderão ser incorporadas ao projeto de estruturação do chamado Distrito Cultural Pequena África, voltado para a recuperação de espaços simbólicos, o estímulo à economia criativa e a promoção do acesso à cultura.
Estátua de Mercedes Baptista, primeira bailarina negra do Theatro Municipal do Rio, no Largo de São Francisco da Prainha
Foto: André Matheus/Galo Providência