Estudo sobre precarização do trabalho na era da financeirização vence 39º Prêmio BNDES de Economia

  • Dissertação de Lucas Feres, da Unicamp, aponta crescimento do trabalho parcial, informalidade e novos vínculos sem proteção trabalhista
  • Na categoria Doutorado, tese vencedora, de Nathalie Marins também da Unicamp, propõe nova leitura da política monetária em países em desenvolvimento
  • Prêmio foi retomado após cinco anos da última edição

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) anunciou os vencedores da 39ª edição do Prêmio BNDES de Economia, que reconhece estudos acadêmicos com contribuições relevantes para o desenvolvimento econômico e social do país. Na categoria Mestrado, o 1º lugar foi concedido à dissertação O trabalho no tempo da financeirização, de Lucas Prata Feres, defendida no Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Já na categoria Doutorado, o 1º lugar ficou com a tese Macroeconomia aberta no curto prazo e restrições externas: para além do trilema de política monetária de Nathalie Martins, também defendida no Instituto de Economia da Unicamp. Os prêmios foram entregues nesta quarta-feira, 17, durante o 53º Encontro Nacional de Economia (Anpec 2025), no Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), em São Paulo, SP.

O diretor de Planejamento e Relações Institucionais do BNDES, Nelson Barbosa, destacou que a retomada do Prêmio BNDES de Economia, cinco anos após sua última edição, reafirma o compromisso do Banco com o incentivo à produção acadêmica de excelência. “É uma grande satisfação poder reconhecer trabalhos que ajudam a pensar os desafios do desenvolvimento no Brasil, qualificando o debate e contribuindo para o aprimoramento das políticas públicas", afirmou.

Precarização do trabalho e informalidade – Vencedora da categoria Mestrado, a pesquisa de Feres investiga como a financeirização da economia, por meio da centralidade crescente do capital fictício, da lógica acionária e da valorização via mercado financeiro, está reconfigurando profundamente as relações de trabalho no Brasil e no mundo. Segundo o autor, essa transformação está diretamente relacionada à intensificação da exploração do trabalho, à ampliação de formas contratuais precárias e à crescente dissociação entre tempo de vida e tempo de trabalho.

“O trabalhador se vê cada vez mais dissolvido na mercadoria força de trabalho, submetido à lógica de valorização do capital financeiro, o que gera jornadas mais longas, insegurança contratual e maior subordinação subjetiva à produtividade”, afirma Feres.

A dissertação aponta ainda uma trajetória consistente de precarização das formas de inserção no mercado de trabalho brasileiro. Entre 2012 e 2021, o número de trabalhadores em regime de tempo parcial cresceu 39,2%, enquanto a quantidade de pessoas com jornada inferior a 30 horas semanais aumentou 41% no mesmo período. Esse movimento foi acompanhado por uma elevação expressiva no número de trabalhadores por conta própria, que saltou de 21,4 milhões em 2012 para 25,5 milhões em 2021.

O estudo também aponta mudanças relevantes na qualidade dos vínculos empregatícios. O percentual de ocupações sem carteira assinada no setor privado subiu de 23% para 28% entre 2015 e 2021, indicando uma crescente informalização nas relações laborais. Paralelamente, os vínculos com CNPJ próprio — muitas vezes utilizados como substitutos de vínculos formais, mas sem garantias trabalhistas — dobraram no setor de serviços em menos de uma década. Outro dado alarmante diz respeito à proliferação dos contratos intermitentes: entre 2015 e 2019, esse tipo de contrato cresceu 245%, consolidando o avanço de formatos contratuais marcados pela incerteza, pela imprevisibilidade de renda e pela desproteção social.

O autor destaca a “subsunção do trabalhador à lógica financeira” como uma nova forma de controle: o tempo do trabalho passa a ser regulado não por normas coletivas ou produtivas, mas por metas financeiras e algoritmos, como ocorre em plataformas digitais. “O capital não organiza mais o trabalho diretamente em todos os casos, mas continua extraindo valor via mecanismos como produtividade por entrega e avaliação algorítmica”, escreveu.

“É uma alegria imensa ter esse trabalho reconhecido por uma instituição como o BNDES, que historicamente estimula a pesquisa econômica no Brasil. Essa conquista é ainda mais significativa por se tratar de um estudo de economia política em um momento de crise social, que exige novas formas de compreender e tratar a economia”, afirmou Feres, que atualmente atua na área de impacto social na Fundação Estudar.

Releitura da política monetária – “A política monetária tem, sim, espaço de manobra, independente do regime cambial e do grau de controle de capitais, mas esse espaço é condicionado pela situação do balanço de pagamentos e dos efeitos que as decisões de juros têm sobre o câmbio e a percepção de risco”, disse a professora Nathalie Marins, vencedora da categoria doutorado com a tese Macroeconomia aberta no curto prazo e restrições externas: para além do trilema de política monetária (Unicamp, 2023).

Ao querer recolocar a macroeconomia em sintonia com a realidade a intenção de Nathalie foi incorporar as restrições externas estruturais. “Ou seja, é reconhecer que, especialmente para os países em desenvolvimento, o problema não é escolher o “pacote certo” ou a combinação ótima entre política monetária, cambial e de abertura, como sugere o trilema, mas entender como essas restrições externas moldam o espaço efetivo para a política macroeconômica”, explicou.

Segundo ela, sua tese nasceu da vontade de entender, em termos teóricos, os espaços e limites para a política macroeconômica em economias financeiramente integradas. Ela leu autores clássicos dos anos 1950 e comparou essas ideias com o debate contemporâneo sobre câmbio e fluxos de capitais.

“Foi uma enorme alegria ter meu trabalho reconhecido por uma instituição que, há tantas décadas, incentiva a pesquisa econômica e impulsiona o desenvolvimento no Brasil”, afirmou Nathalie.

O concurso – A 39ª edição do Prêmio BNDES de Economia contou com 94 trabalhos inscritos, sendo 63 dissertações de mestrado e 31 teses de doutorado, provenientes de 21 centros de pós-graduação de todo o país. A avaliação foi conduzida por uma comissão examinadora composta por nove membros, incluindo cinco representantes internos do BNDES e quatro professoras externas, todas com titulação de doutorado.

Na categoria Mestrado, também foram premiados: Maria Christina Vilar Torres (UFRJ), com estudo sobre estrutura produtiva e crescimento econômico no Brasil entre 2010 e 2019, e Leonardo Soares Ferreira (UFRJ), que analisou o desenvolvimento da indústria de semicondutores em Taiwan e sua centralidade na disputa geopolítica entre China e Estados Unidos.

O segundo lugar na categoria Doutorado foi para Caio Vinicius Fernandes Vilella (UFRJ), com a tese sobre o Programa de Garantia de Empregos e conflito distributivo. A terceira colocação foi de Damares Lopes Afonso (UFJF), com um estudo sobre o desmatamento incorporado ao comércio internacional nos biomas brasileiros.

Os trabalhos selecionados receberão um diploma de premiação do BNDES e o primeiro colocado de cada categoria terá o texto publicado pelo Banco com o uso da expressão “Prêmio BNDES de Economia”. Além disso, os vencedores recebem uma premiação em dinheiro. Como primeiro colocado na categoria mestrado, Lucas vai receber R$ 25 mil. Na mesma categoria, o segundo colocado recebe R$ 15 mil e o terceiro R$ 10 mil. Nathalie, como primeira colocada na categoria Doutorado, vai receber R$ 40 mil. O segundo lugar levará R$ 20 mil e o terceiro, R$ 15 mil.

Nathalie Martins recebe o prêmio das mãos do diretor Nelson Barbosa

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