Assassinado pela ditadura argentina, pianista Tenório Jr. é homenageado por Gilberto Gil, Caetano Veloso e Joyce Moreno no BNDES

“Tenório foi o avô que não chegamos a conhecer. Nós crescemos com o peso de sua ausência, mas a arte ressoa. A tecla do piano dele nunca deixou de embalar nossas casas”, disse Sofia Cerqueira, uma das netas do pianista Tenório Jr, em homenagem prestada a ele por Gilberto Gil, Caetano Veloso e Joyce Moreno nesta quarta-feira, 1, Dia Internacional da Música, em espetáculo na sede do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Francisco Cerqueira Tenório Júnior desapareceu na Argentina, às vésperas do golpe militar de 1976. Ele estava em turnê com Vinicius de Moraes e Toquinho na cidade de Buenos Aires. A principal hipótese é que Tenório Jr. foi confundido com um militante político.

Quase 50 anos depois, em setembro de 2025, a morte dele foi oficialmente confirmada pela Embaixada do Brasil na Argentina. Tenório foi assassinado a tiros e depois enterrado no cemitério municipal de Benavídez, na província Buenos Aires.

No evento, o membro da Equipe Argentina de Antropologia Forense (EAAF) responsável pela coleta das impressões digitais, Lucas Guagnini, explicou que a ONG nasceu em 1984 para atender à demanda de familiares de desaparecidos políticos e de organizações de direitos humanos. “Nosso propósito é fornecer provas forenses, científicas, ao sistema de justiça, mas especialmente é responder às famílias o que ocorreu com seus entes queridos. São mais do que restos mortais recuperados ou evidências: são pessoas que têm o direito de se reencontrar com sua identidade e sua família”.

Membro da Equipe Argentina de Antropologia Forense (EAAF) responsável pela coleta das impressões digitais, Lucas Guagnini

Foto: Caio Oliveira

A solenidade no BNDES foi iniciativa do presidente do Banco, Aloizio Mercadante, e do músico Gilberto Gil. “Houve ameaça recente de golpe no nosso país. A ditadura mata, tortura, esconde. O BNDES é historicamente a casa do desenvolvimento, mas tem que ser também a casa da democracia. Censura, tortura e ditadura nunca mais”, defendeu Mercadante.

No palco, os filhos de Tenório – Elisa, Andrea, Francisco e Margarida – receberam flores brancas dos músicos convidados. Além de Sofia Cerqueira, os netos Marina e Lucas falaram na cerimônia. A mulher do pianista, Carmen, que morreu em 2019, foi lembrada. Após a morte do marido, ela criou os filhos sozinha, como outras mães que tiveram as famílias destruídas pelo terrorismo de Estado nas ditaduras da América Latina.

Resistência no Prata - Também participaram do ato lideranças das Mães da Praça de Maio, da Argentina, e da Marcha do Silêncio, do Uruguai, ambos movimentos populares formados por parentes de pessoas desaparecidas nas ditaduras dos referidos países.

“Na Argentina, queriam impor o silêncio às mães dos desparecidos. Então, saímos pela Praça de Maio, em silêncio, mas nossos corpos foram o grito desesperado para saber a verdade. Nossos filhos estão vivos em todos os filhos que lutam e se opõem a governos perversos. A única luta que se perde é a que se abandona”, discursou a representante da filial de Mar del Plata das Mães da Praça de Maio, Irene Molinari, acompanhada da representante de Tucumán, Sara Mrad.

Representantes das Mães da Praça de Maio, Sara Mrad (à esquerda) e Irene Molinari (à direita)

Foto: Caio Oliveira

“Como disse a espanhola Marina Garcés, não há imaginação sem memória. Recordar é voltar a imaginar o que se passou. É uma experiência não apenas da razão, mas também do corpo, das emoções”, complementou a ativista uruguaia Elena Zaffaroni.

Ativista uruguaia Elena Zaffaroni, representante da Marcha do Silêncio

Foto: Caio Oliveira

Estiveram presentes ainda uma das filhas de Eunice e Rubens Paiva, a professora universitária Vera Paiva, e o diretor de “Ainda Estou Aqui”, Walter Salles. Antes de convidar Vera Paiva para falar, Mercadante contou dos esforços da amiga para preservar a memória do pai, deputado assassinado pela repressão brasileira. Um deles foi inaugurar o busto de Rubens Paiva na Câmara dos Deputados, quando o então deputado Jair Bolsonaro cuspiu na estátua.

“Desde 2015, represento a sociedade civil na Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos. Instituída em 1995, ela é responsável por reconhecer as vítimas da ditadura brasileira. Agora, também corrigimos a causa da morte: não natural, violenta, causada pela perseguição política do regime ditatorial implantado em 1964. Quem sabe, finalmente, a gente faça justiça, puna os assassinos, que foram anistiados dos seus crimes, para que nunca mais aconteça”, declarou Vera Paiva.

Vera Paiva

Foto: Caio Oliveira

Tenorinho – Tenório Júnior nasceu em 4 de julho de 1940, no bairro das Laranjeiras, Zona Sul do Rio. Aos 15 anos, ele começou a estudar acordeão e violão, até se dedicar ao piano.

Na década de 1970, era reconhecido no Beco das Garrafas, reduto da bossa nova em Copacabana, na Zona Sul. Seu estilo refinado e domínio técnico tornaram o pianista referência na fusão entre jazz e música brasileira.

Ao longo da carreira, Tenório Jr. colaborou com grandes nomes da música brasileira, como Vinicius de Moraes, Toquinho, Wanda Sá, Leny Andrade e Edson Machado, entre outros. Ele tem um álbum solo oficialmente lançado em 1964, “Embalo”, disponível nas plataformas de streaming.

Caetano Veloso, Gilberto Gil e Joyce Moreno no encerramento do show

Foto: Caio Oliveira

Netos e filhos de Tenório Jr., que receberam flores de Gilberto Gil, Caetano Veloso e Joyce Moreno

Foto: Caio Oliveira

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